A mulher, usando um vestido do tipo 'tubinho' preto, comprimento abaixo dos joelhos, lenço também preto cobrindo parte do rosto e dos cabelos negros e lisos, se aproximou de uma Kombi com carroceria, disponível para carretos. Ao volante, estava Bernardo, ruivo, cabelos curtos, camiseta e bermuda jeans.
- Bom dia, moço. - Cumprimentou a mulher, com expressão triste.
- Bom dia.
- Há coisa de três dias eu trouxe minha filha, doente, pro Pronto Socorro e, infelizmente ela veio a óbito. Agora estou precisando levar a minha filha no caixão pra ser enterrada lá no interior. O senhor pode levar pra mim? Eu lhe dou um digitorio!
- Que interior é?
- Água Milagrosa!
- A senhora sabe quantos quilômetros dá, daqui até lá? - Perguntou Bernardo, usando o celular para pesquisar no Google, a distância aproximada. - Aqui está. São 180 quilômetros. Isso pode dar umas 5 horas pra ir e voltar. Um tanque de combustível, duas praças de pedágio pra ir, duas pra voltar... Possibilidade de voltar vazio... 500,00 reais. - Concluiu.
- Tá bom. - Assentiu a mulher.
- Onde está o caixão? - Quis saber, Bernardo.
- Ali, naquele bar. - Indicou a mulher, demonstrando-se satisfeita com o negócio que acabara de fechar. - Eu fiz um lanche ali no bar e pedi ao moço pra deixar minha filha lá, enquanto eu arrumava um carreto.
- Que documentos a senhora tem pra transportar a defunta? - Insistiu o carreteiro.
- Aqui, oh, atestado de óbito, liberação do hospital, tenho, até nota fiscal da compra do caixão! - Respondeu a mulher, exibindo os papéis.
- Tudo bem. A senhora sabe como é, né? Eu não quero problemas com a polícia rodoviária!... - Respondeu, Bernardo, conformado. - Eu cobro 300,00 adiantado e o restante quando chegar lá.
- Eu concordo. - Disse a mulher, retirando um maço de cédulas de uma bolsa beje, de sisal. Separou 6 de cinquenta e as entregou a Bernardo. - Vamos até o bar. Botar o caixão na carroceria e começar a viagem.
Minutos depois, já na estrada, Bernardo, tenso, dirigia com todo cuidado. Estava acostumado a todo tipo de viagem. A transportar todo tipo de carga. Inclusive defuntos. Mas, sentia, lá no fundo, que havia algo de estranho naquela viagem. Algo que ele não conseguia explicar... Nem entender! Algo que lhe intimidava. Por isso que ele se concentrou em fazer todo o percurso obedecendo a todos os limites de velocidade para evitar contratempos com a polícia rodoviária e eventuais blitze. Na cabeça dele, o melhor seria "chegar logo a Água Milagrosa, entregar a defunta, receber o resto do meu dinheiro e voltar pra minha vidinha normal, fazendo meus carretos dentro da cidade!"
Na cabeça da mulher de preto, enquanto viajava de volta para Água Milagrosa, estavam as lembranças das ocorrências do dia anterior. "A luta para conseguir o atestado de óbito; liberação do corpo; adquirir o caixão, foi o mais fácil. Difícil foi conseguir fazer o padre celebrar a missa de corpo presente, às 18:00h. Finalmente, depois de conseguir a missa, foi fácil convencer o padre a permitir que eu passasse a noite dentro da igreja, velando o corpo! E, conforme eu prometera ao padre Bellotto, com as primeiras badaladas do sino, às 06:00h, eu chamei uma condução e consegui sai levando o caixão para a 'Praça dos Fretes'. Agora, finalmente e com a graça do Senhor, estou retornando à minha terra, e prestes a concluir a tarefa que Padre Felipe me incumbiu."
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Na Cidade de Água Milagrosa, localizada na região nordeste do estado e a 182 quilômetros da capital, um grupo de fiéis aguardava, ansioso, notícias de Isadora. Composto em sua maioria por mulheres idosas e de meia idade, o grupo tinha, também, alguns componentes do sexo masculino. Todos com idade acima dos 60 anos. Eram ajudantes do Padre Felipe em todas as tarefas da igreja. Alguns eram músicos, membros das bandas de música, locais.
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A CARGA
Short StoryNessa história policial o Detetive Kar-el Santiago junto à sua equipe, vai usar de toda a sua astúcia e perspicácia para desvendar os enigmas de uma carga misteriosa.