Maio, 2025
– Gente, não adianta sair agora, eu só vou fazer chamada depois do intervalo – ouviu ele enquanto deixava a sala. – Vocês vão levar falta!
A voz do professor de línguagem de programação reduziu-se a medida que Isaac e mais um grupo de três amigos deixavam a aula. Caminhou pelos corredores enquanto ouvia outras turmas recebendo explicações de seus respectivos cursos e matérias. Desceu as escadarias e saiu do prédio, sentindo o ar fresco da noite e ouvindo o cricrilar dos grilos no extenso matagal que se estendia após as fronteiras delimitadas pelos muros da universidade onde passou a cursar.
Não queria abandonado a sala, mas precisava estudar outra coisa.
Bocejou no momento que chegou na pista de caminhada. As lâmpadas amarelas nos postes eram a única fonte de luz do lugar, enquanto a lua permanecia escondida atrás de nebulosas nuvens. Procurava um lugar para se sentar até avistar o local perfeito: um banco bem abaixo de uma árvore e iluminado por um poste de iluminação. Sentou-se, estralou os dedos e esticou sa pernas, posicionando a mochila ao seu lado e tirando dela o caderno de anotação que viera preenchendo ao longo de todo o estágio preparatório.
Viera trabalhando de graça nos últimos 5 meses, desde que começara a cursar TI, com a promessa de ser efetivado se tirasse uma nota satisfatória no teste final.
Essa era a prioridade.
Crack! ouviu um galho se quebrando. Soltou a marca-texto e olhou para os lados, vendo apenas árvores e uma profunda escuridão do lago que refletia um céu de apenas duas estrelas.
Voltou a respirar e curvou-se para baixo. Porém, nesse mesmo isntante ficou evidente que não estava sozinho: ouviu folhas secas sendo amassadas rapidamente quando uma garota desceu a pequena inclinação às suas costas e quase escorregou, derrapando o tênis na pista.
– Desculpa, fui cortar o caminho e quase caí. – Ela se virou: Usava óculos redondos que refletiram a luz amarela. Suas bochechas tinham pequenas sardas e seu sorriso mostrou um aparelho dental. Uma folha continuou presa em seus cabelos escuros e ondulados, enquanto seu quadril se sujou de terra. – Que merda hein.
– Tudo bem – retribuiu Isaac, voltando o rosto para baixo e indicando que preferia não ser interrompido.
– Já está na semana de provas? – perguntou ela, amarrando o cadarço.
– Não. – Percebeu que uma resposta simples não seria o suficiente para a curiosidade dela. – Na verdade é de uma vaga de estágio remunerado que estou concorrendo.
– Uau, que legal! E você cursa o quê?
– Tecnologia de Informação. – Percebeu que ela estava sendo sinpática. Seria grosseria não demostrar reciprocidade. – E você?
– Estou no quarto semestre de Ciências da Natureza, já conheço esse lugar até vendada. Viu, que tal eu te mostrar algo legal? – Ele até ficou curioso, mas seu silêncio demostrou que tinha coisas que precisava resolver antes. – Ahh, você tem prova amanhã né.
– É sim.
– Então posso te ajudar? – Sabendo que não se livraria tão cedo da garota, retirou a mochila do banco e liberou espaço para que ela
se sentasse. – Eu sou Líria, prazer.
Ao invés de cumprimentá-lo, lhe deu um breve abraço que o fez ficar vermelho. Não esperava por aquilo, mas não significava que não tivesse gostado.
– E-eu sou Isaac. – Envergonhado, se abaixou para as anotações. – Bom, vamos lá. Vou te explicar o que já sei, porque daí vou me testando. Começaremos com a fórmula...
Após alguns minutos já haviam abandonado os estudos e mudado completamente o rumo da conversa.
– Você foi em uma festa de outro curso e depois não sabia como ir embora?
– Sim – respondeu ela, rindo. – Mas não sou festeira, gosto de aproveitar meu tempo livre em casa. Tenho uma amiga que vejo direto. Nós jogamos video-game e fazemos tudo juntas. Porém, não tenho muito sossego em casa também, por isso estou começando a sair. Moro com meus pais e minhas duas irmãs.
– Eu tinha boas amizades no ensino médio – contou Isaac. – Mas depois que acabou nós nos afastamos. Moro só com o meu pai. Ultimamente nem tenho tido tempo para curtir algo. Estou totalmente dedicado a conseguir esse emprego.
– Depois que passar na prova vai ter. – Líria colocou sua mão em seu ombro. – Vamos dar uma volta, cansei de ficar sentada.
Levantaram-se e seguiram a pista. Uma coruja abriu voo e pousou em cima do banco que estavam. Um sapo coachou e saltou no lago no momento que percebeu movimento se aproximando. Um lagarto correu para dentro do mato alto, assustado com a passagem dos jovens. Um vagalume sobrevoou em alta velocidade por cima das águas refletindo o céu escuro.
– Olha, sinceramente acho que não estou estudando algo que realmente gosto – admitiu ele. – Só estou fazendo por conta do estágio.
– Ahh eu não posso dizer o mesmo. Amo a natureza, e quero fazer algo maior no mundo. Penso que se trabalhar com isso, sempre ficarei satisfeita comigo mesma.
Enquanto balançavam os braços para andar, Isaac sentiu a mão dela esbarrar na sua, notando a textura de algo metálico no seu dedo.
– Eu já ficarei satisfeito se conseguir sobreviver no mercado de trabalho, sustentando eu e meu pai. Esse anel... ganhou de alguém? Você na...
– Ah, não não. Eu não namoro. – Eles pararam por um instante. Líria mostrou sua mão: era uma prata azulada lisa que circundava seu dedo anelar. – Isso eu encontrei quando fomos para a praia quando era mais jovem. Tirei das areias achando que algum animal marinho pudesse engolir e se engasgar. Daí levei em uma joalheria e pedi para gravarem "Ut sementem feceris, ita metes", que significa...Um craquejar no alto das árvores os silenciaram. Congelados, olharam para cima e não viram nada além dos "braços" de várias árvores se entrelaçando. Talvez fosse o vento? Precisaria ser forte o suficiente para fazer um galho grande se entortar, pois o mesmo que tampava a lâmpada do poste agora deixava a luz passar.
– Aquele galho... se moveu? – perguntou ele, sem perceber que segurou a mão dela com o susto.
– Hmm... deve ter sido algum pássaro que o empurrou. – Olharam um para o outro e continuaram com as mãos dadas por algum tempo. Assim que o medo passou, se afastaram, e respiraram fundo.
– Acho melhor já irmos, você tem que descansar para estar bem amanhã.
– É verdade – respondeu, por mais que quisesse continuar ali. – Foi muito legal, deveríamos nos encontrar mais vezes.
– Concordo. – Líria sorriu, e assim deixaram o parque.