A divisão

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Abril, 2027

- Brother, por que decidiu vir a aula hoje? - perguntou Ravi euquanto o professor esperava os alunos voltarem do intervalo.
- Líria disse que teria prova, não podia faltar e deixar que ela viesse sozinha. Principalmente hoje.
Isaac olhava com frequência para a janela assustado com os barulhos de fora. A noite estava estranha e todos sabiam o porque: era o dia em que fora marcado o protesto dos humanistas contra os ambientalistas, como passaram a ser chamados os dois lados da sociedade que compartilhavam ideias e opiniões contrárias sobre o que vinha acontecendo nos últimos dois anos no planeta.
- Brother, olha só isso - no seu feed havia a imagem de dois corpos cremados. A notícia era de um casal de cientistas mortos em um incêndio armado no matagal no fundo de sua casa. - Isso já tá passando do limite. Essa polêmica que dividiu o Brasil vai acabar em uma guerra civil.
- Não só no nosso país como em todo planeta. - Isaac fechou o caderno e desistiu do exercício. Não conseguia se concentrar. - Acontece que ambos os lados estão extremistas. A natureza está mudando: sim, e isso nos causará problemas. Porém, os humanistas acham que queimando e destruindo tudo vamos acabar vencendo. Precisamos dela para sobreviver.
- Quer dizer que você é ambientalista? - duvidou Ravi. - Não se lembra daqueles cinco engenheiros que foram enforcados em um prédio em obras por serem ativamente humanistas nas redes sociais?
- Não sou nem um nem outro, só não gosto deles relacionando nossos cursos com essa paranóia toda. - olhou para o relógio: ja eram 21:30 horas e o motivo da sala ainda estar praticamente vazia o preocupava. - Eu e Líria já discutimos por causa disso, não vou me posicionar.
- Ta certo então. - Seu amigo voltou a ver preços de escopetas em um site ilegal na internet. - Para fins de dúvida, vou me preparar para o que der e vier. Vai que tudo isso seja o começo de uma nova era.
- Acho que a única nova era que viveremos é a da inteligência artificial começando a pensar por todos. Só se fala disso na COA e nas aulas.
- Então, meu brother, eu acho que só vai ser uma fase, que nem a dos Bitcoins...
Uma luz vermelha começou a piscar. Uma alta sirene tocou pelo prédio inteiro.
O professor se levantou assustado. Como ele parecia não saber o que fazer, os poucos alunos dentro da sala tomaram a sabia decisão de deixar o local.
Isaac olhou para o amigo e os dois souberam de imediato o que poderia estar acontecendo: a manifestação estava começando.
- Tenho que achar a Líria - disse, em um impulso descendo as escadas e correndo para o patio, de onde viu o prédio de ciências começando a ser incendiado por jovens lançando molotovs nas janelas.
- Morram seus assassinos filhos da puta! - Gritavam enquanto atacavam quem estivesse por perto, esfaqueando aqueles que tentavam fugir do fogo pela saída principal do prédio.

"Droga..." totalmente em pânico, desbloqueou o celular e tetou ligar para ela. Esperou chamar por 1 minuto e não foi atendido. "Droga Líria! Cade você..."
- "Zac!" chamou Ravi, escondido atrás de um cartaz sobre "Inteligência Emocional". - Se proteja!
Uma carteira em chamas foi lançada da janela. O fogo aumentou, o que deixou Isaac com uma dor no peito até as unidades policiais chegarem para dispersar os vândalos com gás de pimenta. Os bombeiros, logo em seguida, apareceram saindo pelas portas dos fundos com um grupo de jovens tapando o rosto com seus agasalhos.
Líria estava entre eles. Se livrou de um cobertor quando o viu para abraçá-lo.
-

Você tá bem? - Tirou o cabelo de seu rosto tomado de cinzas. Os óculos ela provavelmente havia derrubado na hora do desespero.
- Pe-pessoas foram... foram queimadas - gaguejou, tossindo e voltando a olhar para as janelas de sua sala, onde talvez nunca mais haveriam aulas. - Eu vi a Melissa pegando fogo na minha frente... Zac, eu quero sair daqui.
- Nós vamos, nós vamos. - Enquanto a levava nos ombros, olhou de relance a destruição provocada pelo fogo. Depois, no estacionamento, viu pela última vez as árvores do parque onde deram o seu primeiro beijo: elas balançavam sem vento algum. Era como se estivessem raivosas com a enorme nuvem de fumaça levantada pelo incêndio.
Esta foi a última vez que pisaram naquela faculdade.

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⏰ Última atualização: Oct 07 ⏰

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