Jorge Ben Jor - País Tropical
"Moro
Num País Tropical,
Abençoado por Deus
E bonito por natureza!
Mas que beleza!
Em fevereiro
Tem carnaval!
Eu tenho um fusca e um violão,
Sou Flamengo, tenho uma nega
Chamada Tereza!"
O corpo de Heung-min Son estava paralisado em frente a tv, ele tinha quase certeza que seu celular estava tocando mais o zumbido em seus ouvidos fazia o barulho soar longe o suficiente para parecer uma alucinação, e sinceramente depois do anúncio que ouviu Son tinha quase certeza que estava alucinando mesmo.
Ele nem mesmo ia assistir a conferência de convocação da seleção brasileira, estava focado na Bundesliga - a liga profissional da Alemanha - e como nunca fora convocado nem para a seleção sub 20 suas esperanças não estavam muito altas, na realidade elas eram inexistentes.
Seu desempenho no Bayer Leverkusen estava cada dia melhor, Son sentia que finalmente jogaria o futebol que sempre sonhou, e nem estava tão chateado com a falta de reconhecimento em seu país natal (mentira ele estava sim).
Ser um asiático brasileiro tinha lá suas vantagens, ele notava isso sempre que era obrigado a visitar a família de seu pai no Seollal, o ano novo coreano, ou no Chuseok, o dia de ação de graças de lá, o modo rígido e exigente dos coreanos não combinava consigo.
Seu pai não havia perdido esse lado mesmo morando a tanto tempo no Brasil, mas sua mãe sempre tinha um jeitinho especial de amolecer o coração da fera.
As desvantagens de ser um mestiço eram, claro, o preconceito que geralmente sofria, mesmo que depois de alguns anos ter ficado entorpecido por todos os apelidos que obviamente erravam sua descendência, além de outras micro agressões aos quais ele prefere nem lembrar, o que mais doía em Son era a falta de fé em sua habilidade no futebol.
A nacionalidade certamente não define talento, mas nascer no país do futebol já colocava uma grande pressão, imagina para um brasileiro que pra muitos nem parece ser brasileiro.
O toque do celular finalmente alcançou os ouvidos de Son que prontamente atendeu "Filho?" a voz de seu pai parecia estar a milhares de quilômetros de distância ao invés de bem próxima de seu rosto "Oi Pai" até mesmo sua voz não parecia estar ali.
"Sonny, filho!" agora era sua mãe que falava, sua voz estava mais alta que a de seu pai o que finalmente despertou Son de seu estupor.
"MÃE! O meu nome... ELES FALARAM O MEU NOME?" em qualquer outro dia ela o teria repreendido por gritar no telefone, mas hoje era claramente uma exceção "Sim filho, SIM!!" Ele podia imaginar claramente ela dando pulinhos enquanto tentava segurar as lágrimas, como fazia toda vez que Son vencia uma partida "Me deixe falar com ele mulher" e claro lá estava seu pai sendo a pessoa racional de sempre.
Rindo da situação, Son finalmente notou as lágrimas que corriam por seu rosto, secou elas com sua camisa e foi até a cozinha pegar um copo de água "Heung-min, filho, você está bem?" com as mãos trêmulas deu um longo gole e depois respondeu "Eu não sei bem..." respirou fundo e continuou "Eu não estava esperando isso, eu não...eu não..."
Sua garganta começou a se fechar e novas lágrimas começaram a surgir, o sonho de toda criança brasileira era vestir a camisa da seleção, toda copa do mundo é uma grande festa para o país, mais nunca um asiático brasileiro havia sido convocado, o mais comum era eles decidirem assumir a nacionalidade asiática e irem defender a seleção de lá.
Ele se lembra bem de quando seu pai lhe perguntou se não queria pedir a nacionalidade coreana para talvez ter uma chance de ser convocado, mas perder seu lado brasileiro não era algo que Son queria, mesmo que em 2010 a Coreia finalmente tenha aceitado a múltipla nacionalidade, requerendo apenas que fosse assinado um termo de não exercício da nacionalidade estrangeira em território coreano.
Mas Heung-min sempre foi e sempre será filho de sua mãe, sua personalidade e seu sorriso eram todos dela e mesmo que o Brasil não tivesse a cultura dos nacionalistas ferrenhos igual os Estados Unidos cada brasileiro tinha sim em seu âmago o orgulho de ser brasileiro, nem mesmo a síndrome de vira-lata iria tirar isso de Son.
"Você se esforçou pra isso Heung-min" a voz calma de seu pai o conseguiu acalmar, já que sentia como se seu peito fosse explodir e sua respiração estava rápida demais para ser saudável "Respire filho, lembre-se do exercício de respiração".
"Eu vou jogar pela seleção pai!" Mesmo controlando sua respiração, Son não conseguia segurar a emoção que sentia.
"Sim, você vai filho" e apesar de toda a rigidez que seu pai insistia em demonstrar era impossível não ouvir as lágrimas no seu tom de voz.
Ser convocado não necessariamente formaliza sua liberação do clube para a seleção, primeiro a Confederação Brasileira de Futebol teria que notificar por escrito tanto o jogador como seu time em no mínimo 15 dias antes de qualquer partida, a FIFA - Federação Internacional de Futebol Associado, definia a cada 4 anos um calendário de jogos para não atrapalhar os torneios oficiais de cada país.
Como a convocação foi em maio, Son sabia que era para a Copa América e para as eliminatórias da Copa, mas claro haveria alguns Amistosos no meio do caminho justamente para gerar entrosamento entre o time.
Pelo calendário, o primeiro amistoso seria contra a França em 26 de março.
Talvez até lá Son tenha conseguido absorver a informação de que ele foi convocado.
Estava difícil se concentrar no treino e seus colegas claramente haviam notado, sinceramente os Alemães às vezes era um pé no saco.
"Eu não posso te escalar para o jogo com esse desempenho Son" o tom de Roger Schmidt o treinador do Bayer era claramente de desapontamento e Son odiava isso "Eu sei que ficou feliz, mas você ainda está aqui e tem que manter a cabeça no lugar"
Ficar no banco e ver seu time perder de 3 a zero para o Borussia não colocou sua cabeça no lugar, obviamente.
Sério que tipo de nome de time é esse?
Às vezes Son se perguntava se valia a pena mesmo continuar por aqui, mas a Alemanha foi o único lugar que o acolheu quando quis ser jogador por meio de um programa de intercâmbio.
Só que além da língua difícil, que só os episódios de Bob Esponja faziam ficar levemente suportável aprender, Son ainda sofria com os ataques racistas de colegas e torcedores.
Não foi assim que ele sonhou que seria sua carreira, ele queria começar em um time brasileiro, criar sua fama e depois ir pra Europa, ter a experiência que os grandes ídolos do Brasil tinham, mas lá ele não era visto como brasileiro e aqui ele não era visto como pessoa na maioria do tempo, pra onde ir então?
Focar no treino e contar os dias para o amistoso foi sua única solução no momento.
Porém a próxima partida seria contra o Hoffenheim onde jogava Roberto Firmino, seu companheiro de seleção, e essa seria a partida que mudaria o curso da vida de Son finalmente.
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Dias melhores
RomanceSon Heung-min era o primeiro asiatico brasileiro a ser convocado para jogar pela seleção brasileira, em meio as dificuldades e ao preconceito que sofre por isso, encontra em Richarlison de Andrade, o primeiro jogador assumidamente bissexual ainda na...