UM

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Muitas coisas na vida são boas.

Na minha, eu tive algumas que gosto de ainda levar comigo.

Uma boa mãe. Uma boa irmã. Um bom irmão, apesar de algumas coisas. Alguns amigos que estiveram comigo em bons e maus momentos. Coisas desse tipo. Acredito que essas coisas sejam normais. Mas também carregamos coisas não tão boas assim. O que também é normal.

Cresci em uma família abastada.

Tinhamos muito dinheiro. 

Meu pai, Ygor Markova, era o dono de um império que cresceu a perder de vista. Erámos a família mais rica da grande Moscou e gostavamos disso. Cresci no meio da alta sociedade, usufruindo do bom e do melhor. Não tinha ideia do que havia por trás das cortinas quando elas se fechavam. O que eu via, era apenas o teatro, lindamente ensaiado. Quando os homens se trancavam nas salas para as intermináveis reuniões regadas a charutos e vodca, esse sim era o verdadeiro show.

Quando cresci e tomei real conhecimento da dimensão do que era tudo aquilo, foi quando minha ficha caiu. Eu tinha em volta de mim, homens poderosos que pensavam apenas em si mesmos. Incapaz de olhar para o lado e sentir qualquer tipo de sentimento por quem quer que fosse. incluindo meu pai, que por diversas vezes, se mostrou frio e calculista, deixando minha mãe, eu e meus irmãos sozinho por dias, sem dar nenhuma notícia ou satisfação.

Se explicar nunca foi o forte de Ygor Markova.

Meu pai tinha planos para todos nós.

Ele tinha planos para tudo. 

Seu casamento com nossa mãe foi planejado. A gravidez do primeiro filho, foi planejada. A do segundo, também, assim com a do terceiro. A única coisa que ele não podia planejar era o sexo da criança.

Quando Olga nasceu, eu tinha cinco anos de idade e não via a hora de ter outro irmão. Acreditava que iriamos brincar o dia inteiro de carrinho e correr pela casa imensa que tinhamos, mas na verdade, eu ganhei uma irmã e não foi de todo ruim no final. Olga cresceu com dois irmãos mais velhos, as vezes era difícil ela ganhar alguma coisa. A nossa vontade sempre prevalecia. Vez ou outra, eu ia até seu quarto para brincar de boneca com ela e isso a deixava radiante de alegria. 

Andrey era dois anos a minha frente e era o sucessor de papai. Ygor batia no peito para dizer que quando fosse passar a cadeira da empresa para alguém, esse alguém seria Andrey, sem sombra de dúvida. Outra coisa que ele não esperava também, era que a vida, tiraria Andrey de nós antes do esperado.

Meu irmão mais velho morreu aos 30 anos de tuberculose.

Nossa família que já não era tão estável assim, começou a ruir aos poucos depois do acontecido. Tudo foi muito rápido. Ele se resfriou, achou que tinha ficado bem, mas não. Um mês depois estava internado com um quadro de pneumonia avançada. Dias depois estávamos os três, mamãe, Olga e eu, ao pé de sua cova. Onde Ygor estava? Trancado em seu escritório, gritando aos quatro cantos do lugar que o universo tinha levado o filho errado.

Como eu sei?

Eu o ouvi falar quando o médico disse que meu irmão havia falecido durante a madrugada.

Não pense que foi uma surpresa. Eu já sabia que papai nunca havia me considerado para muitas coisas.

Eu sempre fui o oposto de Andrey, que era similar demais a meu pai. Ambos eram obstinados e olhavam para todos com o nariz em pé. Ninguém passava por cima deles. Eles que passavam por cima das pessoas.Olga e eu erámos as duas ovelhas desgarradas do rebanho. Gostávamos de ficar com nossa mãe, enquanto ela cozinhava ou contava alguma história. Era bom vê-la em seus bons momentos, porque quando os ruins chegavam, ela se trancava no quarto e ficava lá por dias. Era uma coisa complicada. Erams jovens demais para entender o que significava a palavra depressão, que no dicionário de papai, era descrita como frescura.

Verdades que MachucamOnde histórias criam vida. Descubra agora