(Sexta-feira, dia 8, 15h00)
— Hidro-Azevedo, bom dia. Com quem deseja falar? Como? Um momento, por favor.
Discou o número do meu ramal:
— Lauro? Tem uma mulher na linha querendo falar com alguém que entenda de hidráulica. Você entende?
— Mas quem é?
— Uma tal de Dona Alda. Quer falar com alguém.
— Passe pra mim, então.
Ouvi Pour Elise, de Beethoven pela milionésima vez, enquanto aguardava a transferência da ligação. Atendi:
— Boa ideia essa, a de você ligar para cá, se fazendo passar por sua mãe, não? Está ligando do apartamento dela? Ótimo. Mas ela não está, certo? Certeza? Perfeito! E este problema no banheiro veio bem a calhar. Então ela irá me receber amanhã, dez da noite? Ótimo. Olha, tirando esta vez, nunca mais me ligue de um telefone que não seja público, certo? Não podemos deixar rastro em celular ou telefone fixo. Façamos como planejado, então.
"Amanhã, eu vou até aí, agirei normalmente, terei com ela uma conversa sobre hidráulica, como ela espera que seja a visita, tudo para dar o tempo certo, para justificar a minha história, inclusive. Pouco antes de eu ir embora, eu a mato com uma faca de cozinha. Mas darei a ela, antes, um cartão da minha loja. Para quê? Para justificar minha presença profissional, afinal, o porteiro irá me dedar, então, nada melhor que o cartão para consubstanciar minha ida ao apartamento, meramente no exercício da profissão. Depois, desço. Isso, daí, você me aborda na rua. Me chama de frouxo, se faça de bêbada, tente ser bem convincente. Exato.
"Olha, depois que você subir ao apartamento, faça exatamente como combinamos, pois a polícia tem como verificar tudo. Deixe as digitais na faca, exatamente na posição que lhe falei. Já eu, vou colocar as luvas, antes de sair, por causa do frio lá fora, não se preocupe. Manche a sua roupa com o sangue dela. E beba depois uns dois copos de uísque, para ser convincente no papel de bêbada. Mas lave os copos, não os deixe à vista, para parecer que você já chegou bêbada em casa.
"Vai ser moleza, você passará um tempo na prisão, mas é muito nova. Quando sair, torramos a grana da velha fora do país. É, eu sei, você me disse, ela tem toda esta grana e fica aí, neste apartamento velho, com golpe de aríete e tudo! E nesta rua cheia de prostitutas, mas valerá a pena. Você sairá em pouco tempo, coisa de dez anos. Será o crime perfeito. Tudo às claras, na vista da polícia. Será tão escancarado, que ninguém duvidará que foi você, afinal, todos sabem que você não se dá bem com ela. Já eu, tenho de ficar aqui fora, para cuidar de tudo, advogado, etc. Em dez anos, com bom comportamento e um terço da pena cumprido, você sai da cadeia e aí vamos aproveitar esta grana, já pensou?
"Claro, claro, você é filha única, solteira e não tem filhos. Você é a única herdeira. A lei proíbe você de receber a herança, mas somente se houver outros herdeiros que se manifestem contra, que nunca será o caso. Eu sei, não vai ser fácil, mas tudo tem seu preço. Pense que depois você vai aproveitar a grana já tendo pago por seu erro na justiça, estará livre, desimpedida.
"Quem comete um crime, não quer ser preso. Neste caso, faremos o contrário, faremos questão que você seja presa. Eu sei que não sou eu quem vai ser preso e que é fácil pra eu falar, porque não vou ser eu, será você. Mas e a coragem para esfaquear sua mãe? Eu é que vou ter de ter, minha cara. Não é uma troca justa? Eu carrego o peso na consciência, do esfaqueamento; você, o peso nas costas de dez anos na prisão. Será um crime perfeito, um verdadeiro golpe de aríete, difícil de descobrir quem o causou e de onde ele partiu.
Fim.
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O GOLPE DE ARÍETE
Mystery / ThrillerLauro tem uma loja de materiais hidráulicos e recebe uma estranha ligação, para verificar uma tubulação no apartamento de D. Alda... Quando convocado pela polícia, diz-se inocente de um crime... E resolve nos contar a história de trás para frente! ...