Estava difícil de me acostumar com minha nova rotina solitária em uma cidade que não conhecia muito bem. Com apenas 18 anos meus pais acharam uma ótima ideia me largarem sozinha em uma cidade com ritmo completamente diferente da que eu tinha crescido. Minha mão defendia a liberdade de espirito, que assim eu conheceria sobre o amor próprio, responsabilidade e sobre meu eu interior. Meu pai nem parecia ligar muito ele só achava "uma puta de oportunidade legal" para se viver.
Eu concordo em partes. Sim, eu estudei muito para passar, mas no fundo torcia para que não acontecesse tão rápido. Depois que vi meu nome na lista de aprovados da Universidade de Brasília fiquei histérica, meu coração batia tão forte que aprecia que ia sair pela boca. Meus pais escutaram meus gritos e vieram correndo me abraçar. Foi muito bom dar esse orgulho para eles e verem o quanto ficaram felizes vendo meu sonho sendo realizado. Depois de toda a comemoração, senti uma grande responsabilidade se aproximando. Sabia que a partir daquele momento, a minha vida iria mudar completamente.
Nasci em São Jorge, onde meus pais administram uma pousada da família, a cidade é muito pequena comparando com Brasília. Desde muito cedo meus pais me levavam para brincar nas cachoeiras perto de casa e para fazer trilhas para que eu pudesse ter o maior contato possível com a natureza. Apesar de ter os pés mais no chão que meus pais, sinto que a natureza é parte da minha alma e ficar longe desse paraíso será muito doloroso.
Uma semana antes de começarem as aulas, meus pais vieram para Brasília comigo para organizarmos o apartamento. Não é muito grande, tem dois quartos minúsculos, um banheiro, a cozinha integrada na sala e uma mini varandinha que tinha vista para um parque ecológico logo na frente. É o meu cantinho favorito, porque me sentia pertinho de casa. Fiquei sabendo que a maioria dos moradores eram universitários. Depois de entulharmos as coisas, decidimos fazer um tour pela Universidade. Minha mãe ficou super entusiasmada em rever sua antiga faculdade de Letras. Ela ficou o passeio inteiro nos mostrando onde costumava ter aulas, contando histórias sobre o seu tempo lá, amizades, namoros - meu pai não ficou muito feliz nessa parte - e o estresse na época de provas. Ela se emocionou milhares de vezes falando que tinha chegado a vez da filhinha dela.
O meu pai acho que nunca tinha pisado em uma universidade antes. Ficou maravilhado com o tamanho das salas e a quantidade de livros que tinha na biblioteca. O prédio do curso de direito ficava um pouco afastado, afinal a universidade é enorme, já sabia que teria que chegar mais cedo nos primeiros dias por via das dúvidas caso eu me perca.
No dia da despedida, eles acordaram bem cedo para pegar a estrada e chegar em São Jorge antes do horário de almoço que era quando os hospedes precisavam de maior atenção. A pousada foi herança do meu pai, na verdade antigamente era apenas um terreno com um chalé, com os anos e com os toques da minha mãe, a casa foi crescendo até que um dia decidiram investir em tornar aquilo em pousada. No início eram apenas 3 chalés feitos de madeira, com os anos construíram mais aos poucos. Hoje são dez. Meus pais investem a maior parte do dinheiro na melhoria dos chalés e vivem nos seus estilos minimalistas e naturebas.
Amanhã começará minhas aulas e eu estou muito nervosa e ansiosa com tudo. Se vou conseguir fazer amigos, será que vou dar conta das matérias e outros um bilhão de problemas que crio na minha cabeça. Eram 22h, tinha feito o meu jantar, sentei no sofá para comer assistindo algum filme. Alguém bate na minha porta, eu finjo não escutar, mas a pessoa insiste. Se tem algo que morro de medo em cidades grandes é assassinos em série. Ando até a porta e olho pelo olho mágico.
Um garoto, estava de chinelos, regatas e short pouco acima do joelhos.
Abri a porta e deixei entreaberta.
- Oi - disse
- Ah oi! Eu não sabia se tinha alguém em casa, desculpa se te incomodo - ele parecia estar nervoso e pelo seu comportamento percebi que me pediria algum favor.
- Não, não. Pode falar - sorri discretamente
- Meu nome é João, eu moro no andar de cima. Cara, eu nem sei como pedir isso. - ele estava segurando uma bolsa com uma toalha. - Meu chuveiro queimou.
- Ah que merda. - disse totalmente desinteressada.
- Pse, amanhã de manhã eu tenho aula e acabei de voltar de um fut com os amigos. Será que eu poderia usar seu chuveiro? - não é todos os dias que alguém bate na sua porta e pede pra usar seu chuveiro.
Coloquei a cabeça para fora e olhei para os lados do corredor, estava vazio.
- Está bem - disse desconfiada
- Meu deus, você me salvou muito agora - começou a gesticular em minha direção. Eu me afastei e deixei entrar.
- O banheiro é no final do corredor. - ele entrou e fez um sinal de "jóia" com a mão. Tranquei a porta e voltei para o sofá.
Eu não consegui prestar atenção no que estava passando na TV. Tudo que passava na minha cabeça era "temumestranhonomeubanheirotemumestranhonomeubanheiro".
Minha mãe dizia que eu parecia bicho do mato, não sabia fazer amizades, sempre estava muito retraída e não dava abertura para pessoas. Eu acho que ultrapassei todas minhas barreiras de abertura para pessoas estranhas agora.
Eu pensei em negar, mas ele realmente estava precisando de um banho. Seu cabelo estava encharcado de suor e sua regata estava quase colada ao corpo de tão molhada.
Ele demorou cerca de 10 minutos no chuveiro. Escutei a porta abrir e peguei meu celular para fingir que estava despreocupada.
- Tudo certo? - perguntei quando ele voltou para a sala. Eu tinha colocado roupas limpas e seu cabelo ainda estava bagunçado.
- Sim, eu não sei como agradecer ... - ele me encarou e balançou a cabeça - Qual é o seu nome mesmo?
- Ah é Jade.
- Jade - ainda me encarava e comecei me sentir desconfortável. - Tô indo nessa. Valeu aí. - caminhou até a porta e saiu.
- Beleza. Tchau - sai correndo para conseguir ver ele pelo espelho mágico. Ele subiu as escadas tranquilo e desapareceu.