Você não gosta de Cazuza? - Capítulo único

62 10 13
                                    

Aos fins de semana, o combinado era que Júlia podia assistir quantos desenhos quisesse desde que estivesse na cama às 21h em ponto, mas se tem uma coisa que aprendi com a maternidade é que eu só tenho pulso firme nos tribunais sendo a Advogada Mariana - mas se o juiz tivesse os olhinhos da Júlia, eu estaria ferrada.

- Já estava quase acabando! - Júlia fez bico
- Você disse a mesma coisa há meia hora atrás e agora já é mais de dez da noite - a cobri com o edredom e tirei um cachinho da frente de seus olhos - lembra do que combinamos com a mamãe? Eu ainda te dei uma boa folga hoje!
- Mas não estou com sono!
- Conte carneirinhos, então! - dei um sorrisinho, mas Júlia não ficou nada contente.
- Mãe! Não tem graça!

Ela cruzou os braços, para uma criança de sete anos Júlia era bem autoritária.

- Então o que tem graça, Maria Júlia? - ergui as sobrancelhas, ela sorriu certa de que tinha tido uma ideia genial
- Me conta uma história?
- Júlia...
- Por favor, eu prometo ir dormir logo depois!

Ela entrelaçou as mãozinhas e me olhou com aqueles olhinhos brilhantes e pidões, eu juro que tentei resistir mas como negar alguma coisa para aquele rostinho?

- Ok - me sentei na beira de sua cama, ela abriu um sorrisão - que história quer ouvir?

Júlia apertou os lábios pensativa e eu torci para ser algo simples como um conto de fadas. Porém, a resposta que minha filha me surpreendeu.

- Como você e a mamãe Abi se conheceram?

Não poupei um sorriso com a pergunta, pensei em questioná-la se era isso mesmo, mas Júlia parecia realmente convicta de que era essa história que queria ouvir.

- A gente nunca te contou né? - me toquei - é uma história meio... aleatória.

Júlia se acomodou abraçando seu ursinho e olhou para mim atentamente aguardando o relato começar.

- Bem – inspirei pronta para começar - eu conheci sua mãe em um dia que eu tinha certeza que seria um dos piores da minha vida...

Janeiro de 2010

Era por volta das 22h de um domingo. Saía às pressas pelo estacionamento tropeçando nos saltos altos, uma chuva havia começado a cair, mas consegui alcançar meu carro antes que me molhasse de verdade. Entrei no lado do motorista e bati a porta abafando Whisky a Go-go que tocava a toda altura no salão de festa.

Quando me vi completamente sozinha, eu bem que tentei mas não consegui mais segurar as lágrimas que queriam vir desde o momento em que o convite do casamento de Melissa e seu namorado (o cara mais hétero do mundo, como eu costumava chamar) me foi entregue.

Olhei para o buquê de rosas brancas e a polaroid ainda em minhas mãos e quase ri, o destino é tão irônico que aquele buquê tinha que voar na minha direção só para que eu fosse obrigada a ter um registro de hoje com o casal do ano.
A Melissa estava linda, radiante! Eu estava feliz por ela, mas no fundo, saber que a Mel realmente casou, que todas minhas chances definitivamente acabaram e eu seria só sua velha melhor amiga de colégio - e agora sua madrinha de casamento - me machucava de diversas formas.

Joguei o buquê e a polaroid no banco do passageiro, apoiei minha testa no volante e respirei fundo, tentando entender de uma vez que amores platônicos só são recíprocos nos filmes. E definitivamente, a minha vida não era um.

Não fazia nem cinco minutos que havia começado a chorar, quando fui surpreendida por alguém batendo no vidro da porta do motorista, levantei a cabeça do volante imediatamente e dei de cara com uma moça do lado de fora.

Ela segurava alguns papéis sobre a cabeça e gesticulava para que eu abaixasse o vidro. De primeira eu não a reconheci, mas quando desembacei o vidro e vi melhor seu rosto e aquele vestido vermelho de lantejoulas, cheguei a me perguntar como não a reconheci de primeira. Abaixei o vidro.

- Posso ajudar? - Disse no automático.
- Oi, Mariana?
- Sim.
- Eu sou amiga da sua irmã e... eu não sei se a Duda conseguiu ligar pra você, mas ela me disse que você estava de saída e eu podia pegar uma carona contigo até o metrô.

Sorri nada surpresa. Eu devia imaginar que a Eduarda não ia deixar barato eu mandar ela voltar com o namorado dela só porque eu estava sofrendo de friendzone aguda. E além do mais, eu tinha ouvido ela falar algo sobre uma antiga amiga da faculdade estar na festa, só não sabia quem.

Eu poderia dar mil migués para dispensá-la e curtir a minha solidão, mas eu tinha consciência que aquela moça não tinha culpa alguma do que estava acontecendo, e seria crueldade deixá-la na chuva quando tinha lugar vago no carro.

- Meu celular está desligado, eu nem vi, mas tudo bem - tentei sorrir um pouco - entra aí.
- Valeu!

Ela sorriu brilhantemente e passou pela frente do carro aos pulinhos, joguei o buquê no banco de trás e ela entrou logo em seguida dobrando seus papéis um pouco respingados sobre o colo, eram partituras.

- O metrô mais próximo? – comecei a manobrar o carro.
- Isso - ela respondeu puxando o cinto de segurança – valeu mesmo, Mariana.

Como conheci sua mãe - Concurso 'Pearl River'Onde histórias criam vida. Descubra agora