Por um momento, Ana Beatriz hesitou. De início, não sabia se deixaria o carro estacionado por ali. Conhecia bem aquela parte da cidade e tinha ciência de que o centro paulistano, apesar de bem localizado e acessível, também continha seu quê de violência. A última coisa que queria era que roubassem seu automóvel.
Depois, parou, refletiu e resolveu parar o veículo próximo de um local, um comércio, que foi onde entrou. Mais uma vez, pestanejou. Viu que naquele modesto boteco, tão típico daquela região, tinha apenas... homens. Na mesma hora, recordou-se de um conto do escritor Ivan Ângelo que lera na adolescência. Na obra, a jovem mulher acabava amargando um destino horroroso justamente por ter entrado em um bar, tal como aquele, repleto de pessoas do sexo masculino, igual nesse contexto, com o mero objetivo de fazer uma ligação telefônica, que era o que pretendia.
Mesmo receosa, tentou se livrar desses pensamentos trágicos. Já havia sofrido uma violência, seria tão azarada de sofrer outra? Além disso, a manhã daquele sábado estava em seu apogeu. Deveria ser nove ou dez horas. Também percebeu que, apesar de ser um reles boteco, no local estava sendo servido o que identificou como comes e bebes de um café-da-manhã. Tranquilizou-se, desse modo, de que o pior não iria lhe acontecer em plena luz do dia.
Foi assim que, fazendo um pouco de faz-favor-daqui-e-dali, conseguiu acessar o telefone do lugar, após um dos funcionários lhe indicar o tal aparelho. Nesse momento, arrependeu-se, em partes, de não estar com o seu celular, embora ainda houvesse o risco de ser rastreada se o tivesse levado. Talvez tenha sido melhor assim.
E com a cabeça tão a mil, não pensou muito. Apenas discou um número, falou com a pessoa do outro lado da linha, digitou outro, conversou com esse segundo alguém e, depois de agradecer pelo uso do telefone, voltou rapidamente para o seu automóvel, dando graças aos céus por ninguém o ter surrupiado.
"— Se bem que quem iria roubar esse carro velho?" — pensou ela tentando, um tanto desesperadamente, extrair algum humor daquela situação.
Ficou ali aguardando a chegada de quem justamente havia telefonado. Foram minutos que, para ela, pareceram ser horas ou até dias. Já não raciocinava mais direito. Tinha consciência de que, apesar da facilidade de locomoção naquele ponto de São Paulo, aquelas pessoas demorariam algum tempo para chegar. Mas estava tão ansiosa...
Felizmente, viu quando dobraram a esquina e chegaram... juntas.
Em suma, Ana Clara e Ana Flávia estavam ali.
Andavam aparentemente tranquilas, embora fosse notável um ar de apreensão em seus semblantes. Ao se aproximarem do carro, já foram falando que vieram de metrô, o que explicava o tempo mais ou menos demorado que levaram para chegar.
— Desde a hora em que você nos ligou, fiquei sem acreditar até agora — afirmou a nipo-brasileira.
Clara e Flávia, depois de um gesto indicativo por parte de Beatriz, entraram naquele carro e ocuparam o banco traseiro. A mulher negra falou:
— Esse aqui era o carro do nonno, não? Não sabia que estava em sua posse...
— Ele tinha me presenteado pouco tempo depois de vocês terem saído do prédio.
Apesar de ter dado aquela resposta casual, era perceptível o nervosismo na entonação de Beatriz. Assim que Clara e Flávia receberam aqueles telefones repentinos de aproximadamente meia hora atrás, as duas rapidamente se falaram pelo celular, enquanto se arrumavam para o local onde a amiga de ambas alegou estar. Foi inevitável não pensarem nas motivações da outra, que, aliás, exalava um ar misterioso. Ela portava aqueles óculos escuros e, estando cabisbaixa e de costas para elas, mal as olhava no rosto.
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É pela dúvida ou... Uma história alternativa
NouvellesEm "É pela amizade ou... A história das paulistANAs", um grave acidente separou o trio de amigas de nome de Ana e deixou Beatriz em um coma que durou anos a fio. Mas... O que teria acontecido se esse evento fatídico não houvesse acontecido? Será que...