Karolinne estava farta de ser desacreditada, não era maluca nem possuía nenhum tipo de vício em substâncias alucinógenas. Era verdade! Tinha mesmo visto a chama do grande inquisidor buscar o lorde na noite passada, mas ninguém acreditou na menina.
Em seu quarto a garota recolhia algumas roupas, um cantil que pegara de seu pai, (o qual tinha um cheiro forte de bebida apesar de ter derramado o conteúdo na pia) pegou uma corda, um pouco de comida e por fim uma lamparina a querosene. Observou uma última vez aquele cómodo, as paredes de madeira acolhiam prateleiras que por sua vez acomodavam várias pelúcias de animais silvestres, a cama tinha sobre si o lençol feito da pele do senhor urso pardo, o piso reconfortante tinha sobre si a pele de outro urso sobre si.
— Adeus senhor urso — disse Karolinne enquanto afagava a pele de urso sobre sua cama — conto com você pra manter meu irmãozinho quentinho. Sei que ele vai ficar com meu quarto se eu não voltar. Seja gentil com ele senhor guaxinim — encarou a pelúcia sobre uma das prateleiras na parede.
Karolinne pegou sua corda de cânhamo e amarrou na perna de sua cama com o melhor nó que conseguia fazer. Jogou a corda pela janela e antes de partir em sua pequena, porém gloriosa aventura, a garota se despediu mais uma vez, acenando para todos os animais de pelúcia e chamando cada um deles pelo respectivo nome. Despediu-se do senhor pato, do senhor castor, da senhora coruja, agradeceu o senhor livro por ter ensinado ela a usar a lamparina e como ela mesma disse, não conseguiria faze-lo sem a ajuda dele. Por fim a menina sentou no peitoril da janela e respirou fundo. Ela nunca teve medo de altura, mas seu quarto ficava no segundo andar de sua casa e não podia negar que a altura a intimidava, entretanto, juntou forças e agarrou firme a corda com as mãozinhas e desceu com dificuldade até a estrada de terra lamacenta.
As botinhas de couro de Karolinne atingiram a terra com um sonoro splash. Logo levou a mão a lamparina e a acendeu. Começou a correr pela vila, sabia que a chama do inquisidor viria naquela noite e ela faria ele admitir que levou o lorde, como faria? Ela ainda não sabia, mas para ela isso ainda não era importante.
Não demorou muito para encontrar o que buscava, foram apenas algumas curvas por esquinas de uma vila singela e quieta. A chama no meio da praça era a única coisa destoante naquele lugar, Karolinne podia jurar que a estatua da mulher na fonte estava em pânico ao ver a presença da brasa.
A menina logo pegou seu relógio de bolso e começou a cantar uma cantiga que fora imbuída com poderes mágicos.
— Às uma, todas as caveiras saem da tumba — proclamou balançando o seu relógio.
Esqueletos de animais e pessoas começavam a emergir do chão terroso, as criaturas mortas-vivas ficavam imóveis ao lado da garota assim que saiam por completo dos buracos. A chama possuía formas estranhas que se assemelhavam a um rosto humano, o qual estava direcionado a ela.
— Então os homens enviaram uma criança — decepcionou-se a chama.
— Eles não me enviaram —explicou Karolinne — vim pra fazer você admitir que levou o lorde!
A chama encarou a garota e gargalhou, apesar de ter se surpreendido com as invocações não temia a menina, afinal era o deus da morte em espírito que vagava levando a vida daqueles que convinha. O deus apreciou a coragem de Karolinne, pois nenhum homem ou mulher tivera tal ação para com ele, mas uma menininha de prováveis 9 anos se erguia diante dele afirmando que o faria admitir que levou o lorde. Sentou-se na beirada da fonte e gentilmente explicou a ela sobre o ciclo da vida e como funcionava a morte. Pela iniciativa dela, o deus entregou a garota uma pequena brasa, uma parte dele, dizendo que sempre quando ela quisesse ou sentisse falta de alguém, a chama faria questão de matar a saudade dela.
— Mas lembre-se — advertiu — deixe eles seguirem seu caminho.
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Contos Bardo_local
Historia CortaCompilado de contos produzido com o intuito de manter minha escrita em dia. Enquanto não tem capítulos novos dos livros principais. Contos de mais ou menos 500 palavras.