Doce cheiro dos mortos

126 13 1
                                    

∞∞∞

Desde que aprendi a me virar nessa vida, as coisas pareciam melhorar a cada dia. Arranjei-me pelo mundo, carregando o fardo de ser um bruxo sem magia. Um inútil. 

Lembro-me da dor da marca, da desonra que ela trazia. O olhar da minha mãe no momento em que fui selado. Ela me odiava, mas acima da raiva, ver um dos seus perder um pedaço da própria alma era o pior dos castigos. 

E tudo isso por amor. 

Amor, que coisa ridícula. Eu acreditava em amor há anos atrás, eu acreditava que poderia ser feliz com uma bela família. Que meu coven seria meu lar para sempre. Mas a verdade é que nesse mundo repleto de ganância e orgulho, a facilidade em trair e ser traído é mais comum do que qualquer coisa. 

Eu tinha dezesseis anos quando recebi minha marca. Lembro do rosto de Heejun, ao lado de sua noiva, me olhando como se nunca tivesse dito que me amava. Como se nem me conhecesse. Como se nunca tivesse me traído. 

Lembro de como me pegaram, sob a falsa acusação de que planejava fugir. Talvez nem tão falsa. Heejun e eu planejamos nossa fuga do coven, para que ficássemos longe das tradições, do compromisso mortal, do legado de bruxos e bruxas. 

Mas quando na calada da noite, eu me esgueirei para da início à nossa vida juntos longe dali, me pegaram. Eles me esperavam, estavam prontos. Sabiam sobre tudo, e quando encontrei Heejun ao lado de Soyeon na multidão de rostos que me desprezaram, eu soube quem havia contado. 

Heejun e Soyeon eram noivos desde pequenos, nascidos das duas famílias mais dominantes do coven. Eles eram um simples acordo político, e quando Heejun e eu nos conhecemos, nos apaixonamos. Paixão, era apenas uma simples paixão carnal sem sentido. 

Ele me entregou, mentiu sobre mim, me fez perder minha magia. Sou um marcado por causa dele. 

-Foram vampiros. - a voz amedrontada da dama dizia.

-Como sabe? - outra jovem questionava, inerte na história. 

-Todos foram estraçalhados. Seus pescoços feridos, alguns foram decapitados. - explicava num cochicho abismado. -Foram Nocturnus, tenho certeza. 

Observei as costas das duas damas, elas tomavam o lugar a minha frente nos bancos da igreja. Seus véus mal colocados, os vestidos claros e as feições jovens. Garotas prontas para entrarem na sociedade e serem raptadas por maridos arrogantes. 

Fofoqueiras falando sobre os seres das sombras dentro de uma bendita igreja. Mas o que disseram a seguir foi o que me fez congelar em puro choque. 

-Os Dahlias? Todos eles? - uma delas perguntou, me deixando nervoso. 

-Nem mesmo um sobreviveu. - respondeu. 

-São o maior coven de bruxos, Jieun. Como podem estar todos mortos?

Mortos. Meu coven... Meu antigo coven... 

Depois da missa, mais pessoas falavam sobre o ataque aos Dahlias. Mortos por vampiros, os boatos diziam que se tratavam dos Nocturnus. Vampiros e bruxas tem suas rivalidades, mas um massacre assim não se explica. 

A angústia que me atingiu foi densa. Foi como voltar lá, como ser um Dahlia novamente. Como se nada houvesse acontecido, como se eu nunca tivesse sido tão idiota. 

Seu eu ainda fosse um Dahlia, estaria naquela contagem de corpos?

Quando a confirmação de todos haviam sido estraçalhados e sugados até a morte, senti um calafrio ardente na coluna. Minha mãe estava morta. E mesmo sabendo que nunca seria reconhecido como seu filho desde que nasci, eu me preparei para voltar até o território dos Dahlias. 

LaçadosOnde histórias criam vida. Descubra agora