Quem é você, Mary?

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O despertador havia tocado pelo menos umas 5 vezes antes de ser arremessado contra a parede. Eu sabia que deveria cumprir meu horário, do contrário seria demitido logo no segundo mês e isso seria complicado. Mesmo com todo o esforço, já estava virando um hábito dormir relativamente mal. Lembranças e pesadelos ainda assombravam minha cabeça constantemente. Bem, é para isso que pago a Ellen, certo? - Resmungo vestindo o uniforme.

── Qual o sentido de pagar uma terapeuta? ── Digo para ninguém em especial. O quarto continua vazio e as caixas ainda estão espalhadas pelo pequeno apartamento, todas fechadas com durex. Não tenho vontade alguma de organizar essas coisas e estou atrasado, então passo pela porta da cozinha apressadamente.
Tem café de ontem na garrafa térmica, gelado e sem gosto. Bebo mesmo assim para ver se desperto ao menos um pouco antes de sair.
Puxo as chaves da caminhonete do gancho na parede e saio. O vento gelado me atinge, bagunçando meu cabelo enquanto, caminho em direção ao carro.
Estou me acomodando no banco quando o rádio começa a tocar.

"Após os acontecimentos em Raccoon City, a regulamentação das empresas farmacêuticas no mundo inteiro tornou-se extremamente rigorosa. A readaptação das pessoas sobreviventes ao desastre continua sendo difícil, mas esperamos que a vida volte ao normal rapidamente. Ainda temos um longo caminho a percorrer, esses últimos anos trouxeram certa esper-"

Quanta mentira ─ Se dependesse deles estaríamos todos mortos. Neste ramo, sorte não resolve problemas.

Afundo no banco do motorista, suspirando, antes de dar partida. O caminho não é tão longo, mas gosto de pegar outro só para passar em frente ao rio toda manhã. Afinal, esse é o motivo de ter vindo para cá. A calmaria, a distância.
Certas vezes me arrependo de ter cortado contato com meus amigos, mas prefiro manter o passado no passado.

***

A porta da delegacia tem um sino irritante, iguais aos de cafeteria, ele balança quando eu entro e meus colegas de trabalho se viram para ver quem é. Aceno e respondo "bom dia" para todos, mantendo a paz no ambiente de trabalho. O pessoal do interior odeia gente mal educada.

Sem muita enrolação caminhei até minha mesa de trabalho. Nela já havia uma quantidade razoável de papéis para serem preenchidos, por isso puxei a cadeira giratória buscando me sentar. Estava para iniciar o trabalho quando o Bryan apareceu.
Ainda era meio impossível acreditar que aquele baixinho magricela fosse meu chefe. Na faixa dos 37 anos, o homem tinha a aparência e a personalidade de um adolescente raivoso. Mas não vou negar que, apesar disso, o delegado era muito eficiente em seu trabalho.

─ Você está horrível. ─ Disse apoiando-se com as mãos na mesa. Havia um sorriso amarelo em meu rosto cansado, mas apesar da irritação sabia que o sermão era merecido. ─ Escuta, Kennedy não vou te avisar denovo como a gente trabalha por aqui. Você é competente, mas os atrasos estão prejudicando não só a você.

Concordei balançando a cabeça de maneira suave, estava cansado demais para inventar uma desculpa. Eu já sou um homem velho, sei das minhas responsabilidades.
Bryan sorriu, mas não estava satisfeito com o silêncio e disso eu sabia.
Sua postura mudou rapidamente. Como se tivesse visto um vulto ele virou o rosto em direção ao corredor. Sem entender eu acompanhei seu olhar com curiosidade.
Uma mulher jovem vestindo um conjunto de alfaiataria estava parada observando nossa conversa. Bryan rapidamente e visivelmente constrangido - não sei por qual motivo - acenou para que ela se aproximasse.

─ Leon, esta é Maryanne Walker. Ela foi transferida para cá e será sua nova parceira. ─ Ele inspirou antes de continuar. ─ Maryanne, esse é o Leon.

─ Muito prazer. ─ Disse educadamente. Maryanne me retribuiu com um sorriso e virou-se fazendo seu cabelo castanho dançar preso no rabo de cavalo. Ela ia sair acompanhada do chefe para resolver alguma coisa, então decidi voltar ao meu trabalho.

***

Ela deve ser tímida. Pensei conforme ia preenchendo o final da papelada, agradecendo ao universo pelas únicas duas ocorrências do dia.
Saí da delegacia desesperado por um café e uma boa noite de sono, mas o pneu da caminhonete resolveu furar justamente aquela hora. Já estava ligando para um reboque quando a minha "parceira" surgiu pela porta da frente, fazendo o sino insuportável balançar.

─ Sem gasolina? ─ Perguntou ela, como quem não quer nada.
─ Pneu furado. ─ Respondi apontando para o pneu murcho.
─ Achei que vocês homens sempre levassem um reserva. ─ Sorriu. ─ Eu te dou uma carona.
─ Mesmo? Isso parece muito uma cena de sequestro, mas aceito sua carona.

Maryanne e eu entramos em seu carro juntos. A mulher ficou em silêncio logo após digitar meu endereço em seu GPS, mas não parecia desconfortável. Ela parecia mesmo era esperar que eu iniciasse a conversa.

─ Então, Maryanne... Quantos anos você tem?
─ Mary.
─ O que?
─ Sem Maryanne, só Mary. E eu tenho 28.
─ Certo, só Mary.
─ E você, parceiro? ─ Sua voz era tão doce e suave, mas ela falava de uma maneira que demonstrava certo receio.
─ 48.

Foquei na janela, vendo a paisagem mudar do lado de fora enquanto o carro ia acelerando.

─ Certo, chegamos.

Mal percebi que já havíamos chegado, queria conversar com minha parceira, mas tive medo que ela não se sentisse a vontade. Então deixei para fazer isso no dia seguinte.

─ Até amanhã, Walker. ─ Maryanne não respondeu, apenas sorriu como havia feito mais cedo na delegacia e deu partida em seu carro. Ela com certeza não era tímida, mas definitivamente estranha.

Hero - Leon KennedyOnde histórias criam vida. Descubra agora