Eu não sei o que fazer e estou sempre no escuro

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Era manhã quando me levantei da cama. O colchão duro e pequeno estalava com o peso do meu corpo virando e virando mais a cada noite. Os primeiros dias foram agradáveis, mas a quietude da cidade me agoniava.
Como sempre, a viatura semi-nova, pintada de azul cobalto estacionava defronte a entrada do apartamento. Leon apertava a buzina duas vezes e meus pés começavam a trabalhar, descendo a escada lentamente. Eu me acomodava, afundando as costas no banco do passageiro e, deixava que ele iniciasse a conversa.
Geralmente ambos ficávamos em silêncio. Eu a espera de informações, ele a espera de uma amiga. Hoje não seria diferente.

Estou dedilhando e cutucando os botões do rádio por estações quando se inicia um solo de "Total Eclipse of the heart". Sorrio comigo mesma, deixando a música fluir por minha cabeça. As letras dançando e meus lábios se movendo em silêncio no ritmo da melodia.

─ Turn around... ─ arregalo os olhos quando ele começa a cantar batucando os dedos no volante. O olhar se prende ao meu por um segundo e depois encara a estrada a frente. ─ Every now and then i get a little bit lonely. And you're never coming round. ─ sussurro, apoiando meu braço na janela. O vento faz minha franja oscilar enquanto, raios solares passeiam pela pele do meu rosto. ─ Turn around, bright eyes. ─ ele erra e uma gargalhada escapa da minha garganta.
Leon ergue sua sobrancelha, irritado. A música continua a tocar.

Para um policial, sua memória é péssima. Como pode errar a letra desse clássico? ─ pergunto tentando conter a risada que cresce cada vez mais.
─ Desculpa, Bonnie Tyler. Não sabia que você era tão cheia de cultura. ─ o homem sorri. Seus olhos agora estão semi abertos, cerrados.
─ Está sendo sarcástico comigo, Senhor Kennedy? ─ eu o golpeio de volta. ─ Achei que você era um homem de cultura.
─ É claro que sou. E você, é uma mulher de cultura? ─ está encarando meus lábios, percebo enfim. Quero dizer algo. Quero responder sua pergunta. Eu quero...

[ I don't know what to do, and i'm always in the dark. We're living in a powder keg and giving off sparks... ] Bonnie continua cantando no rádio, sua voz preenchendo o carro conforme vou me impedindo de continuar. Me impedindo de pensar. De olhar para o homem ao meu lado. É difícil manter o trabalho em primeiro lugar quando ele é tão bonito. Não quero que seja difícil.

O momento passa quando, finalmente, chegamos a delegacia. É incrível a rapidez com que tudo acontece. Bryan está saindo pela porta cercado por jornalistas com câmeras em sua cara, ele parece aterrorizado e sem ideia do que fazer. Ele nos encara. Apenas alguns segundos antes da esposa do prefeito abrir caminho para fora do prédio.
A mulher está apoaida e grudada como um animal indefeso nos braços do segurança. Ela chora, e o pobre homem não sabe como reagir além de levá-la para o carro.

Leon e eu pulamos da viatura, apressados. Bryan é direto quando entramos em seu escritório, não temos tempo para piscar ou entrar em Pânico antes de sermos enviados para a prefeitura.

***

Pendurado por uma corda, em um ângulo totalmente errado, está o prefeito - ou o que restou dele - completamente roxo. Um homem baixinho e calvo, com alguns fios brancos na cabeça. A corda ao redor do pescoço como uma jibóia, triturava ainda mais sua traquéia já quebrada.
Um perito está ao nosso lado, aos pés do cadáver. A porta do escritório se abriu, deixando entrar um novo grupo de profissionais. Os olhares dos policiais baixaram no mesmo instante em que virão o corpo e, o nível de tensão aumentou.
Os músculos do maxilar de Leon se flexionaram, como se ele estivesse engolindo uma coisa desagradável. Não precisei de muito para saber que ele não queria estar ali, eu compartilhava do mesmo sentimento.

Nós saímos para o exterior da prefeitura para expirar o ar preso em nossos pulmões quando, uma repórter de televisão, uma morena de casaco de pele brilhante aproximou-se com um microfone. Seu companheiro com a câmera enorme apontou esta diretamente para o meu rosto, fazendo-me virar e atravessar a multidão de repórteres e civis curiosos. Metade das pessoas que estavam ali nunca tinham me visto, mas queriam se aproximar para me fuzilar com perguntas sobre a infeliz tragédia.
Leon veio para o meu lado logo e, as pessoas se afastaram, sem jeito por causa dele. Nós ficamos junto a multidão, esperando.
Nossos companheiros da DP passaram, escoltando o corpo numa maca barulhenta. Com minha visão periférica, vi os jornalistas aproximarem-se novamente do trio que levava o prefeito, como se fossem abutres famintos.

─ Ninguém passa, circulando. ─ eu disse. ─ O Delegado irá informar a todos mais tarde. ─ pareceu uma eternidade o tempo que ficamos ali até a multidão se desfazer.

Árvores antigas dominavam a rua pela qual seguimos. As raízes subindo pelas calçadas de paralelepípedo como se quisessem fugir dali. As casas eram simples, pintadas de cores claras, algumas grandes e quadradas, outras menores. A casa à direita da delegacia estava toda decorada para a páscoa. Um coelho gigante e um ovo de plástico estavam sobre o gramado. Todo o jardim estava iluminado.
Leon foi andando até chegar à sua casa, comigo ao lado. Ele entrou sem acender as luzes.
Havia luz demais entrando pela janela da sala. Sua casa não era muito diferente da minha em termos da escassez de mobília. Não havia fotos nem quadros.
O homem fechou as cortinas, e sentou-se numa cadeira ao lado da janela. Fiz o mesmo, distribuindo os papéis sobre a mesinha.

Nós olhamos para a foto do cadáver. Estou com ânsia.
O que faria um homem tirar sua própria vida deste jeito?

Preciso de um cigarro. ─ ele tira um maço de cigarros pela metade do bolso e acende um. Quem sou eu para lhe dizer "não fume"?
Antes que eu diga algo, ele oferece a caixa para mim e eu o imito.
E a sensação de ânsia se esvai.

Hero - Leon KennedyOnde histórias criam vida. Descubra agora