why'd you only call me when you're high?

forget about us

21 de março de 2023
Seoul, Coreia.

Eu estava nos últimos minutos de plantão e só pensava no que iria fazer nos meus dias de folga. Maratonar minhas séries acumuladas? ler meus livros? dormir o dia inteiro sem me preocupar com relatório? São tantas as opções que estou ficando ansioso.
Seokjin parece adivinhar que estou indo para casa porque está me ligado.

— Não sei o porquê você 'tá me ligando, mas pode desligar imediatamente, acabei de largar e 'to sem saco para nada.

— Tão receptivo e amoroso com os amigos, até me emociono .— A ironia nas palavras dele quase me deixou cego pela revirada de olho que dei.

— Desculpa, Seok, 'tô um pouco cansado... — Respondi sendo sincero. Eu tô cansado pra caralho.

— Eu sei, e é justamente por isso que te liguei. Eu falei com o Namjoon e concordamos que você se transformou no seu pai, sem ofensas, mas você literalmente não tem tido tempo mais pra nada. Nem lembro mais qual foi a última vez em que te vi, você não lê mais as mensagens do grupo (por isso que estou te ligando, e eu odeio falar ao telefone), nós estamos preocupados, Yoon. Você precisa socializar!  — Sou pego de surpresa pela fala dele e acabo ficando sem o que falar, apenas ouço ele continuar meio hesitante.

— Não quero chatear você, de maneira alguma, eu só... me preocupo, sabe? você é um dos meus melhores amigos e eu percebi que você tem se atolado de trabalho para não socializar. Não estou supondo nada, não me interprete mal, mas é algo que eu 'tô sentindo. — Ele conclúi e ouço um suspiro ( não sei se é de alívio ou de frustação).

— Olha, Seokjin, eu realmente aprecio a preocupação de vocês, mas é totalmente sem sentido, eu estou bem! Só preciso ir pra casa e descansar. E, alias, tenho as próximas 72h de folga, então fiquem tranquilos que eu não 'tô só trabalhando.

— Meu Deus, finalmente! A gente precisa sair, nós três. Eu estava pensando em uma coisa mais animada, tipo uma balada, sei lá, a gente pode ir num rodízio, tenho certeza que o Namjoon deve ter algum lugar legal pra levar a gente também... 

— Na verdade, eu estava pensando em passar esse tempo colocando as séries em dia. — O interrompi apressado.

— Cara, por que eu sou seu amigo, mesmo?

— Porquê você me ama. — Respondi rindo da pergunta dele.

— Você tem um ponto, porém perdeu toda credibilidade quando começou a agir como um idoso de 80 anos. Por favor, vamos viver a juventude, sair e beijar bocas que nunca mais vamos ver, vamos ficar bêbados e chorar pelos ex 's.

— Você sabe que a vida não se resume só a beber e beijar, né?

— Cara, VOCÊ É INSUPORTÁVEL!!!!

Eu ri da reação dele, mas toda essa situação me deixou pensativo, eu meio que concordo com ele, mas não sinto vontade de ir numa balada a tanto tempo... Meus pensamentos são interrompidos pela voz dele

— Alô, 'tá aí?

— Oi, 'tô.

— Decidiu se vai sair da toca? A gente realmente precisa de você, os três juntos, como nos velhos tempos.

— Ok, você me convenceu, mas só um dia. Decidam aí e me avisem. Tenho que ir agora.

— Se eu soubesse que o drama te convenceria, teria feito antes, mas ok. Até logo.

Tenho certeza que essa não foi a melhor decisão que já tomei, mas não posso contra os poderes de persuasão de Kim Seokjin.
Cheguei em casa e nunca me senti tão agradecido por morar sozinho. Pude me jogar como estava no meu sofá e aproveitar sua maciez enquanto rolava o feed do Instagram, quando meu celular vibrou. Uma única mensagem de Seokjin.

Itaewon, sex. às 20h

Não sei o que exatamente quer dizer mas não irei a fundo nesse assunto agora. Tenho que tomar banho e ir me deitar na cama, há tanto a ser feito amanhã. Tenho que buscar o Holly na casa dos meus pais, ir no mercado, lavar as...
Vou perdendo a linha de raciocínio e quando percebo estou adormecendo no meu sofá. Nunca tinha reparado no quanto ele é confortável.

— Eu te amo, porra! O que deu em você? — Ouço minha voz em meio a escuridão, mas não sou eu que estou falando, não consigo ver nada. Onde será que estou? Me forço a fechar e abrir os olhos algumas vezes e as coisas vão clareando aos poucos.

— Vai embora, por favor, Yoongi. Eu já disse que não quero mais estar nesse relacionamento. Meu pai estava certo, você não serve para mim.  — A voz de alguém diz em tom de conselho. E eu sinto uma angústia inexplicavél ao ouvir essas palavras, por mais que não tenham sido direcionadas a mim, uma súbita raiva me invade e tento chegar mais perto da pessoa à quem foram direcionadas essas palavras para consola-lá. Não se deve dizer essas coisas para ninguém. 

Ao me aproximar, olho fixo para quem disse todas aquelas palavras, de ínicio não consigo ver o seu rosto, está borrado, não consigo ver quem é, então olho para o outro alguém e ao virar fico chocado. Me vejo chorando de frente para pessoa de rosto borrado. Estou dez anos mais novo, porém sei que sou eu.

— Não me olhe assim... eu não quero magoar você.— A pessoa diz, expressando certo lamento.

— Tarde demais, Hoseok, já 'tô magoado pra caralho. — Hoseok? Por que eu estou falando com ele? Por que estou me humilhando tanto na frente dele? Por quê?... Aos poucos vou sendo invadido por memórias que tento abafar há muitos anos e me sinto sufocado por todos os sentimentos que parecem querer me engolir. Queria poder esquecer de nós.

 Acordo assustado e suando. O que foi esse sonho? ou melhor dizendo, pesadelo? Por quê sonhei com o Hoseok depois de tanto tempo? Apesar de não ter o visto, com certeza aquela era a voz dele, o mesmo tom de lamento, a mesma melancolia de quando terminamos. Acho que isso não foi bem um sonho, está mais para uma lembrança. Mas por que me lembraria disso tantos anos depois?

 Minha cabeça está doendo, tento levantar do sofá mas tudo está girando. Me apoio novamente e me sento. Vejo no celular que ainda são 2h da manhã, não sei se conseguirei voltar a dormir depois disso. Então me esforço para levar e tomar água. Preciso tomar um ar. A sensação de sufocamento não passou mesmo depois de ter acordado. Estou terrivelmente assustado. Já sabia que guardar tanta coisa por muito tempo viria de forma extrondosa, mas não imaginei que me faria querer morrer.

Pego uma garrafa de bebida — que nem me dei ao trabalho de ver qual era — e um copo, me sirvo e abro o bloco de notas, preciso colocar para fora tudo que está me sufocando.