神 手 紙

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O dia seguinte era um dos raros dias de folga que Natália se dava ao luxo de ter no Japão. Desde que decidira juntar dinheiro para deixar o país rumo a qualquer outro lugar, vinha pegando todo trabalho extra que pudesse aparecer no exótico local em que trabalhava. Sua saúde mental estava em frangalhos desde que conseguia se lembrar e, ao invés de procurar ajuda, ela simplesmente ignorava esse fato como todo japonês que se prese faria.

Se ela não fosse estrangeira, mulher e lésbica, talvez tivesse se adaptado com mais facilidade àquele país.

Natália pensava em todas essas variáveis impossíveis deitada em sua cama, quando um estrondo na sala ao lado a fez pular da cama esbravejando e pronta para fazer Ryoko voar pela sacada. Ao abrir a porta de correr do quarto que dava direto para sua minúscula sala, deu de cara com sua gata enlouquecida saltando pelo local atrás de uma linda borboleta azul que, em seguida, saiu batendo suas lindas asas pela sacada em direção ao ensolarado dia de verão em Tóquio. Natália precisou correr para agarrar a gata e impedi-la de seguir a borboleta pelo céu azul e límpido. Enquanto ainda respirava pesadamente pelo susto tomado logo cedo, ela caminhou até a sacada, com Ryoko se acomodando confortavelmente em seus braços, e ficou observando a borboleta voando tortuosamente, até se perder de vista por entre os prédios do local.

A borboleta tinha razão.

Era um dia bonito demais para ficar em casa.

Ela ligou novamente para a mesma maid que a ajudara no dia anterior com o kanji e pediu para que ela fosse até seu apartamento em Sumida. Natália queria tirar a história das borboletas a limpo e, para isso, era essencial que tivesse um tradutor presente. Assim que Tomura chegou, ela pegou a garota pelas mãos e saiu arrastando-a em direção ao cemitério onde as cinzas de Paula estavam, ignorando completamente as objeções que a garota fazia em um péssimo inglês. Lá chegando, Natália parou em frente ao pequeno portão e explicou a situação o melhor que pôde em inglês, enquanto os olhos de Tomura se arregalavam cada vez mais.

— Onmyoji — disse a garota quando Natália explicou sobre quando encontrou a borboleta no cemitério e uma velha tinha dito alguma coisa pra ela. — Onmyoji! — Repetiu ela, desesperada, se esforçando para se soltar das mãos de Natália e sair do local. Natália tentou acalmar a garota, mas ela continuou repetindo aquela palavra cada vez mais alto, fazendo com que Natália finalmente a soltasse e a deixasse ir. Frustrada, ela se sentou próximo ao pequeno portão da entrada do local e começou a xingar Tomura mentalmente pela covardia.

O que significava aquela palavra e por que causava tanto medo na garota?

De qualquer forma, ela decidiu tentar descobrir sobre a velha por conta própria. Se levantou e caminhou decidida cemitério adentro em busca de alguém que trabalhasse ali. Rodou por entre o labirinto de pequenas lápides até encontrar uma pequena cabana de madeira escura bem aos fundos do local.

Natália nunca tinha reparado na existência daquele local antes.

Caminhou devagar até lá antes de bater duas vezes e esperar com os ouvidos colados à porta. A porta se abriu subitamente sem que nenhum som fosse feito dentro do lugar e Natália quase caiu em cima da pequena senhora que a atendia sorridente.

"Herou, Natariaa"

Ela pode reparar, apesar do susto ao ser surpreendida com a cara colada na porta, que era a mesma velhinha que aparecera na última vez que Natália tinha estado ali. Ela continuou falando coisas em japonês e fazendo sinal com as mãos para que ela a seguisse cabana adentro. Natália assim o fez e se admirou com a simplicidade e organização do local, enquanto a velhinha fazia sinal para que ela se sentasse numa das cadeiras da pequenina mesa que ficava a um canto do diminuto, mas aconchegante, ambiente. Após se sentar, ela ficou tentando se comunicar com a senhora em inglês, mas era sempre interrompida pela mesma que repetia "no engrishu" sem parar. Em seguida a velhinha colocou um bule e uma xícara contendo chá verde fumegante na mesa a frente de Natalia, fazendo sinal para que ela o bebesse, enquanto se desenrolava a falar sem parar em japonês.

Natália imediatamente começou a se arrepender de ter ido ao local sem alguém que pudesse traduzir as palavras da velha e tornar um diálogo minimamente possível entre as duas, quando a porta da cabana se abriu e um jovem japonês entrou no local com um típico uniforme escolar japonês que consistia em um casaco fechado preto com botões e calças da mesma cor.

"Tadaima", gritou ele enquanto jogava a mochila em um canto no chão e começava a retirar os sapatos, fazendo com que Natália subitamente se sentisse envergonhado de não ter feito o mesmo. Assim que os olhos do garoto se levantaram novamente ele deu de cara com ela e ficou repentinamente vermelho como um tomate, fazendo com que Natália o reconhecesse como o jovem que deixou as borboletas para ela no Maid Café.

"Okaeri", gritou a velha em direção ao garoto, antes de se virar para ela enquanto apontava para o garoto dizendo-lhe o que pareceu ser o nome do mesmo: "Takeru-kun".

Natália fez um breve aceno de cabeça em resposta ao garoto que se curvava repetidas vezes em direção a ela, chamando-a de Nataria-sama.

Uma honraria da qual ela não se achava digna de receber. Em seguida a velha disse algo ao garoto que reagiu como se tivesse, repentinamente, se lembrado de alguma coisa urgente.

Ele desapareceu pelo curto corredor do local e voltou alguns segundos depois com um típico envelope japonês nas mãos, que segurava como se fosse algo frágil que poderia quebrar se deixasse cair, estendendo-o em direção à ela enquanto se curvava ligeiramente. Natália pegou o envelope direcionado a ela e observou que havia um elegante selo com o formato de uma pequena e delicada borboleta azul. Uma lágrima solitária escorreu de seu olho direito naquele exato momento, surpreendendo-à momentaneamente. Ela notou três kanjis dispostos verticalmente a frente do envelope:

                                            
                                          
                                          

Ao ver que ela chorava, a velha senhora se aproximou e tocou de leve as mãos que seguravam o envelope branco. Ao olhar atentamente para o rosto da velha, que lhe sussurrava baixinho consolos em japonês, Natália se sobressaltou ao perceber que a mesma era cega. Seus olhos se encontravam fechados de tal maneira que ela acreditava não ser possível abri-los nem se ela quisesse.

"Como ela sabia quem eu era quando bati na porta?" Pensou ela, enquanto seu coração parecia que iria sair pela boca.

Natália se levantou repentinamente, pedindo desculpas repetidamente em japonês enquanto se dirigia à porta do local com sua carta ainda em mãos.

Ela precisava sair dali o mais rápido possível.

Precisava colocar seus pensamentos em ordem e entender o que quer que tinha acabado de lhe acontecer.

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