Laila nunca antes estivera tão cansada, tão aterrorizada e sentindo-se tão humilhada. Correu chapinhando nas águas rasas do Charco de Caim, chorando e tropeçando, mas sem desistir. Até que por fim o mundo ganhou luz novamente e ela se viu pisando em terreno seco. Apenas então ela se permitiu descansar. Jogou-se no chão, sentindo dor em todo o corpo, e chorando tanto pelo medo das horrendas vespas, quanto dos pensamentos que vieram à sua mente enquanto era atacada.
— Não é justo! - ela gritou, chorando - Eu não queria nada disso!
Ouviu passos se aproximando, e quando olhou para frente, lá estava Digle, olhando-a de perto, com uma expressão zangada no rosto e o punhal ainda na mão.
— Você me deixou lá - disse Laila com a voz chorosa - Eu te ajudei, e você me deixou lá.
Mas Digle não respondeu, limitou-se a olhá-la de cima com aquele olhar zangado e pensativo. O grilo estava dando um passo na direção de Laila quando da vegetação à volta deles, surgiu um cupim. Vinha vestido com roupas sujas e esfarrapadas, mas ele era alto, forte e tinha um olhar duro, e ainda por cima, montava um grande besouro-rinoceronte. Ele fez o animal parar quando viu o casal, parecendo surpreso, e então, sorriu com astúcia.
— Ora, ora. O que temos aqui? - mal o cupim acabara de falar isso, mais um saiu da vegetação atrás dele, e então mais um e outro e então mais outro, menores que o anterior, até que diante de Laila e Digle estivessem treze cupins - Uma abelha da Floresta de Gaia.
Os cupins eram todos maltrapilhos, mas também eram fortes. Carregavam sacas de cereais e puxavam gaiolas sobre rodas, que abrigavam grandes quantidades de pulgões.
— Não sabia que as abelhas da Floresta de Gaia visitavam o Pomar de Éris - disse um dos cupins menores ao maior, que era nitidamente o chefe.
— É por que elas não visitam - o chefe respondeu e fez um sinal.
No instante seguinte, Laila e Digle estavam completamente cercados pelos cupins, que exibiam espadas, adagas, lanças e punhais, prontos a lhes fazer mal.
— Nós não queremos problemas - disse Digle, segurando firmemente seu punhal.
— E não haverá problemas - o chefe respondeu, saltando de sua montaria e caminhando despreocupadamente dentro do círculo e ignorando o punhal do grilo - Claro... não haverá problemas se entregarem tudo que possuírem a nós, inclusive esse seu punhal e o belo alaúde.
— Mas meu alaúde...
— Pode entregá-lo de boa vontade e ir embora - o chefe insistiu - Ou pode lutar por ele. Assim tomaremos sua vida e depois o alaúde.
Digle não voltou a responder. Entregou o punhal e em seguida o alaúde.
— A túnica também - disse um dos capangas cupins.
A expressão de Digle não poderia estar mais irritada, mas ele retirou sua bela túnica de penas vermelhas e entregou ao cupim.
— Agora, mocinha, levante para que vejamos o que tem de bom aí.
Laila estava com medo, mas imaginou que agora podia ser seu momento de sorte. Entregaria o diadema e eles provavelmente ficariam felizes e os deixariam em paz. A princesa se levantou, retirou o diadema do cinto e ofereceu ao cupim. Mas o chefe dos cupins não pegou o diadema, invés disso ficou olhando para ele, estupidificado.
— Onde foi que conseguiu isso? - ele perguntou, cheio de assombro.
— É... é minha - Laila respondeu.
O chefe dos cupins pegou o diadema e o avaliou.
— Diamantes - concluiu - Não é uma abelha qualquer, coletora de néctar, não é, mocinha? Quem é você?
Mas Laila não ousou responder. Pensou em inventar alguma mentira, mas que tipo de abelha comum possuiria tal joia? O chefe sacou a própria espada e apontou para o peito do grilo, que levantou as mãos, assustado.
— Quem é ela!? - o chefe dos cupins gritou a pergunta.
— Ela é Dalia - o grilo respondeu de imediato - Ou melhor... Laia. É princesa no reino das abelhas da Floresta de Gaia!
Os cupins riram da resposta, deliciando-se com a descoberta. Mas o chefe não riu; limitou-se a olhar para a princesa, com assombro e cheio de intensões ocultas.
— Tirem os pulgões de uma das gaiolas - disse o chefe - Temos algo muito valioso aqui.
Nos momentos seguintes os cupins se aproximaram, colocaram Laila e Digle de joelhos e amarraram suas mãos. Dezenas de pulgões foram retirados de uma gaiola sob os resmungos de um dos cupins, e Laila foi colocada lá dentro, mas Digle foi preso à parte de trás da carroça por uma longa corda, e teve de andar.
Fizeram uma longa viagem, e Laila estava amedrontada demais para falar, ou mesmo levantar os olhos. Queria saber para onde estavam indo, mas não tinha coragem de perguntar. Talvez saber fosse muito pior.
"Quero ver a minha mãe" ela pensou, lembrando da imagem da rainha e pensando em tudo que diria se pudesse reencontrá-la. Em dado momento, percebeu que estavam indo para o leste, a mesma direção que seguia com Digle. O chefe dos cupins andava montado ao lado de sua gaiola, parecendo agradavelmente satisfeito consigo mesmo.
— Com licença - disse Laila ao chefe dos cupins.
Ele a olhou e sorriu.
— Pode me chamar de Spartos, senhorita - o cupim respondeu.
— Spartos, para onde está me levando?
— Ah, sim. Ora, você é um troféu valioso, se eu entregá-la para a pessoa certa, isso valerá um bom resgate.
Então Laila ficou feliz e sorriu. Ele só podia estar falando de sua mãe. A rainha Tulipa certamente pagaria um bom preço para ter a filha de volta.
— Vai me entregar para minha mãe? - ela perguntou, sorrindo.
Mas Spartos riu alto, chegando a tremer em cima de seu besouro-rinoceronte.
— Talvez você não saiba, pois não era nascida durante a Guerra dos Ophios, mas nós, cupins, não gostamos de vocês, abelhas. E muito menos das formigas e seja lá qual for a espécie. Vocês venceram a guerra com seus truques e por isso ficamos reduzidos ao nosso pequeno território e a esse maldito pomar de Éris. Não, princesa, não a entregaria à sua mãe. Preferiria perder todas as pernas e minhas mandíbulas à reunir uma família que fez tão mal a mim.
Laila conhecia a história da Guerra dos Ophios, e sabia que os cupins haviam manipulado toda a Floresta de Gaia para dominar todo o território, e quando sua investida fracassou, foram penalizados a nunca pisar nas terras da Floresta de Gaia que não fosse no território de sua cerejeira morta.
— Então, para quem está me levando - Laila perguntou, sentindo um frio na barriga.
Spartos a olhou nos olhos e sorriu maliciosamente.
— Para Xen e Jhen. Rei e Rainha cupins - o chefe pegou o diadema e entregou à Laila - Agora, princesa. Queira usar isso. Preciso que pareça senhorial quando se encontrar com meus soberanos.