Por dias e dias Laila esteve em meio à construção, dando ordens e mudando a forma dos projetos. Não demorou muito para que se afeiçoasse muito a Eve, que sempre trazia seu café da manhã e mantinha as conversas atualizadas. Eve falava sem parar, descrevendo os colegas de trabalho e dizendo quem seria melhor para essa e aquela função. Por sua influência, Laila mudava as abelhas de trabalho à seu bel prazer, e logo tinha a própria Eve como engenheira-chefe da construção,
Laila ordenou que a primeira ala a ser finalizada fosse a dos aposentos governamentais, que ficava no centro da colmeia. O lugar ficou pronto rápido, com as abelhas trabalhando incansavelmente. Os aposentos eram amplos, como Laila desejava. As paredes ainda estavam vazias, mas eram brilhantes como ouro, e Laila mal podia esperar para enchê-las com bordados coloridos. Seu banheiro era grande, com uma banheira de cerâmica, e ela não aceitava mais que a lenha fosse usada inteiramente para a produção de cera. Tinha banhos quentes todas as noites, e dormia feliz em uma cama enorme, coberta com um colchão recheado com as cerdas de dentes de leão.
Mais uma manhã veio, e Eve já estava em seu quarto com o café da manhã e com as últimas novidades. Apenas quando a outra abelha se retirou, Laila se arrumou e saiu de seus aposentos. Titânia, como sempre, estava à sua porta, silenciosa como uma estátua, mas nessa manhã ela quebrou o silêncio sobre a conduta de Laila.
— Bom dia, princesa - disse Titânia.
— Bom dia - Laila respondeu em meio a um bocejo.
— Parece que tem estado de bom humor nos últimos dias.
— Tudo está indo maravilhosamente bem - disse Laila, cheia de orgulho enquanto seguiam caminho.
— Tenho observado - as palavras de Titânia vieram como se fossem uma reprimenda - Banhos quentes, conforto e comida em seus aposentos todas as manhãs. Não acha que deveria escolher alguns dias para comer entre os construtores?
— Por que? Já fico tempo demais em sua companhia delas durante os trabalhos do dia.
— Talvez devesse conhecer melhor seu povo por eles mesmo, ao invés de pelas palavras de Eve.
— Eve é uma boa moça - Laila protestou - Tem me ajudado muito.
Titânia suspirou.
— Você deve saber o que faz.
A abelha soldado já havia percebido o que Laila era incapaz de notar. Enquanto caminhavam pela colmeia em construção, as trabalhadoras a olhavam pelo canto do olho com expressões variadas; algumas tinham irritação no olhar, outras pareciam estar ressentidas. Havia murmúrios à sua passagem, e a própria Titânia ouvia as conversas sobre Laila quando se sentava na mesa do jantar com as outras abelhas. Mas na visão de Laila tudo corria com perfeição. Estava nas nuvens. O mundo para ela estava dourado, mas não seria exagero dizer que sua visão era cinza, incapaz de ver as cores em sua totalidade.
Quando chegaram do lado de fora viram que as abelhas já trabalhavam com afinco, voando de um lado para o outro, produzindo cera e erguendo paredes. Subiram ao galho de sustentação, que já se curvava pelo peso da colmeia.
Enquanto avaliava a construção ao lado de Eve e Titânia, Bonny se aproximou com olhar apreensivo.
— Bom dia, senhora - disse Bonny - Estou preocupada com o andar da construção.
— Mais uma vez isso, Bonny? - Laila falou, irritada.
— As dimensões da colmeia estão muito além do esperado - Bonny prosseguiu - Só a ala governamental, as cozinhas e as bases já ultrapassaram o peso planejado. O galho de sustentação está se curvando mais que o esperado
— Está tudo bem - disse Eve, com um sorriso cheio de desprezo - Fortalecemos as bases. Isso é o suficiente.
— Eve está certa - Laila concordou - Um galho curvado não é nada diante da grandiosidade da colmeia.
— Mas... - Bonny parecia desesperada.
— Não quero mais ouvir falar nesse assunto - Laila cortou a conversa - Eve é a responsável agora. Volte a seus afazeres, Bonny.
Totalmente derrotada, Bonny virou as costas à princesa e voou para longe e a construção prosseguiu de acordo com os planos de Laila.
Naquele dia os céus se tornaram cinzentos com grandes nuvens de chuva, e a briza se tornou fria, chegando mais forte e balançando as copas das árvores. Mesmo assim os trabalhos continuaram, e as abelhas ficaram apreensivas com o prenúncio de chuva.
O estava se pondo quando a primeira gota caiu. As abelhas viram que uma tempestade se aproximava, e voaram para seus abrigos, enquanto Laila se refugiou na colmeia.
A chuva caiu pesada, com grandes estrondos ao tocar o chão e fortes sons de trovoadas. O vento uivou e a colmeia balanços como Laila nunca sentira na Colmeia Real.
— Titânia! - Laila gritou de dentro de seus aposentos, encolhida em sua cama e coberta por seus lençóis - Titânia! Venha aqui!
A grande abelha soldado abriu a porta, preocupada com o chamado desesperado de Laila, que estava cheia de medo da tempestade. Mas não houve tempo de a soldado perguntar como a princesa estava, pois nesse momento ouviram um estrondoso 'creck' e no instante seguinte perceberam-se caindo em direção ao chão, presas dentro da colmeia, incapazes de voar para fora.
A colmeia se chocou contra o chão, partindo-se em milhares de pedaços. Laila e Titânia foram arremessadas para longe, caindo em meio à lama e às folhas molhadas. Laila estava atordoada; seu diadema de rosas vermelhas voou de sua cabeça, caindo a alguns centímetros de si, e seu vestido de pétalas de narcisos ficou completamente imundo. Olhou em volta e ficou mais apavorada do que nunca. A chuva caía em pesadas gotas, capazes de grande dano a pequenas abelhas. O vento soprava forte, fazendo as árvores se curvarem no escuro da noite. Laila estava jogada na lama, sentido que estava ficando cada vez mais presa. O diadema estava em uma folha à sua frente, preso apenas por uma gotícula de água. Laila arrastou-se pela lama, temendo ficar presa nela enquanto as gotas caiam em cima de sua cabeça. O vento soprava forte, o que dificultava ainda mais o seu avanço.
Quando finalmente conseguiu subir na folha e se livrar da lama, pegou o diadema e prendeu-o firme em seu cinto.
— Princesa Laila! - ouviu a voz de Titânia e procurou pela soldado - Onde está a senhora?!
Laila procurou pela outra abelha. Sabia que Titânia seria capa de mantê-la segura. Quando finalmente viu Titânia, ela estava a pelo menos um metro de distância, de pé sobre um galho. As gotas se chocavam contra sua cabeça, mas ela as ignorava para procurar pela princesa, tão forte era a soldado.
— Estou aqui! - Laila gritou e levantou as mãos.
Titânia a viu, e com uma expressão determinada, avançou sobre folhas e lama. Laila sabia que Titânia a manteria segura quando chegasse até ela. Agarrou-se ao cabo da folha e esperou, tentando resistir às gotas que se chocavam contra ela e estouravam à sua volta. Titânia estava agora a apenas dez centímetros de sua folha, e Laila pretendia agarrar-se a ela e deixar que a soldado a levasse para algum lugar seguro.
Foi quando o vento se intensificou, rugindo como uma fera. Titânia foi lançada ao chão pela súbita rajada, e a folha onde Laila se refugiara tremeu, balançou e por fim foi levantada no ar. Laila agarrou-se ao cabo da folha com todas as suas forças enquanto subia no céu, rodopiando e sendo erguida acima das copas das árvores. Viu com desespero a floresta de Gaia lá embaixo, sendo levada cada vez mais para longe de lugares conhecidos.
Apenas muitos metros à frente a folha começou a cair, e com um frio na barriga, Laila soube que a queda seria terrível.
Chocou-se contra as copas das árvores, sendo lançada longe de sua folha e por fim caindo entre uma densa vegetação espinhenta de coroas-de-cristo. Felizmente nenhum dos espinhos a feriu, e ela pode se arrastar para baixo de um dos galhos cheios de espinhos e permanecer quieta, esperando pelo fim da tempestade.
Aquela foi a noite mais longa de Laila, e quando o dia raiasse saberia que sua situação era muito pior do que imaginara.