O conto da garota feia

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Era outono. As folhas caíam lentamente com a brisa suave e fria soprando para o leste. Uma criança ruiva estava sentada na ponta da gangorra. Sozinha. Ela parecia esperar alguém que a fizesse companhia. Tinha os cabelos curtos como os de um garoto, a pele tão pálida que se deitasse na grama do inverno, seria facilmente confundida com a neve. Um verdadeiro pontinho vermelho. Seu rosto era repleto de sardas, os dentes minúsculos e um pouco tortos, os lábios tão finos como os de uma criança deveriam ser. Sua expressão era triste e solitária.

A pequena garota olhou para trás. Uma moça estava brincando com seu irmão de um ano. A moça sempre cuidava deles, mas Temari sabia que ela era só uma mulher que estava sendo paga para ser gentil. Seus pais não queriam passar tempo com ela e seu irmão, então contrataram uma moça bonita que finge ser gentil.

"Vamos, Temari?", disse ela estendendo a mão para a pequena. O rosto dela agora não passava de um borrão. Um borrão branco, como uma luz de hospital. Ela segurou a mão e saiu do parquinho.

Um tempo depois, ela estava embaixo de uma árvore, em uma área verde. Suas mãos suavam com o calor do verão, mas ela não soltou o livro, que acabou ficando com páginas grudentas e marcadas. Agora ela usava óculos e tinha um nariz torto. Seu cabelo não obedecia de forma alguma, era cacheado e rebelde. As outras crianças não a convidaram para o aniversário de uma colega de turma, mas ela estava no local mesmo assim. Ela mentiu para os pais que tinha amigos. Era vergonhoso ser filha de dois empresários e ser uma fracassada em socialização. Tinha doze anos, as espinhas ainda estavam surgindo e agora ela usava aparelho.

Aos quatorze, quando passava por um grupo de garotas, elas puxaram o moletom de Temari e a jogaram para dentro do banheiro. "Você é nojenta", elas diziam, "como pode ser tão rica e tão feia", comentavam, "espero que você morra, assim o mundo ficaria mais bonito". No fim do dia, Temari estava encharcada com a água da privada e cheia de papel higiênico enrolado em seu corpo. Ela nem sequer saiu do banheiro. Passou o dia ali, encostada na parede, caída no chão, até criar coragem para ir embora.

Os anos se passaram e as coisas não melhoraram. Certo dia, com dezessete anos, Temari estava sentada no sofá da biblioteca. Em um canto onde ninguém poderia vê-la sem antes atravessar várias prateleiras. A garota de cabelos castanhos, que orquestrava o bullying, surgiu pelas costas de Temari e agarrou-a pelos cabelos, fazendo com que soltasse o livro e levantasse as mãos para impedir. Outra garota pulou em seu colo, rasgou sua camisa com uma faca, fazendo um corte no tórax da ruiva e começou a desferir-lhe beijos. Ela mantinha a lâmina encostada em Temari, como um aviso de que ela deveria ficar quieta. As outras garotas riam da situação.

Cansada dos beijos, a garota se levanta e se direciona para o lado daquela que puxava os cabelos e começa a cortá-los com a mesma faca. Elas seguram Temari e a levam até a sacada do segundo andar, aproveitando que era o horário de funcionamento dos clubes e dificilmente alguém estaria no corredor.

De frente para a cerca, ela implora. Implora mentalmente. Nunca foi feliz em sua vida. Nunca teve nenhum tipo de amor. Nunca foi bela. Se esse fosse o seu fim, que pudesse renascer como uma linda mulher. Que pudesse ser feliz em sua próxima vida. Que essas garotas paguem pelo que fizeram. E então, rápido como um raio, ela caiu. Seu rosto bateu em uma pedra, causando uma fratura.

Ela não morreu. Ela quase... mas não. Foi levada rapidamente ao pronto socorro. Sem hesitar duas vezes, seus pais pagaram por uma cirurgia. Tudo o que pudesse mantê-la viva. Por meses ela sequer conseguiu mover o rosto. Sempre que movimentava os olhos, era como se estivessem soltos e prestes a cair, então ficava a maior parte do tempo com eles fechados.

Quando viu-se no espelho, soltou um grito horrendo, como se tivesse sentido a pior dor existente. Como se tudo o que tivesse ocorrido fosse apenas uma brincadeira de criança comparado a isso. Seu rosto estava inchado, flácido e deformado. Estava vermelho e costurado. O médico disse que isso era apenas o início e logo ele ficaria melhor. Mas não ficou. Sim, é claro que ele desinchou e ficou um pouco mais humano, mas aquela imagem não saía de sua mente.

"Espero que você morra, assim o mundo ficaria mais bonito"

Por tanto tempo ela concordou com essa frase.

Por tanto tempo ela sentia que estava no inferno.

Por que foi castigada?

Ela não foi uma boa filha?

Ela não foi uma boa irmã?

Não foi uma criança inteligente?

Educada?

RESPEITOSA?

ELA NÃO FEZ TUDO O QUE LHE PEDIRAM?

NÃO PASSOU TODAS AS NOITES CHORANDO EM SILÊNCIO?

ELA NÃO IMPLOROU?

ELA NÃO FOI O SUFICIENTE?

POR QUÊ?

POR QUE ELA TEVE QUE PASSAR POR ISSO?

E a apatia é o pior estágio da depressão. É como estar com um guarda-chuva no meio de uma tempestade. Ou no olho de um furacão. A sensação de uma falsa paz é o que causa mais medo para uma pessoa inquieta. Ela andou por todos os corredores. Hospitais, centros cirúrgicos, clínicas de plástica, sua própria casa, um apartamento vazio. Não queria ver ninguém. Queria ficar só. Só como o vento. Mas assim como o vento, ela não poderia ir sem levar algumas folhas pelo caminho. Essas folhas... são o seu fardo. O fardo de lidar com todas as lembranças.

E ela seguiu assim por um mês. Dois. Três. Até se lembrar de quem era esse mundo. Esse mundo era dela. Só dela. Ela pode fazer o que quiser. Não importa mais. A única coisa que importava no momento era a dor. A dor delas. Ela faria com que pagassem por cada lágrima. Cada gota de sangue. Cada surto. Cada ataque de pânico. Cada momento em que ela concordou com aquela maldita frase.

"Espero que você morra, assim o mundo ficaria mais bonito"

Sim. Ele ficaria mais bonito. Se cada uma delas morresse.

Temari ligou para todos os contatos de seu pai. Todos aqueles que pertenciam à escória. Eles a achavam um monstro pela aparência que tinham. Então eles seriam mais feios ainda. Ela iria provar a cada uma que não se deve irritar um monstro.

O porão estava frio e tinha goteiras de canos espalhados aleatoriamente. As três cadeiras estavam ocupadas. Amarradas, amordaçadas e machucadas. Esse era o estado das garotas. Elas imploravam por cima do tecido em suas bocas, mas isso só fazia Temari sorrir mais. As pessoas que ela contratou fizeram o serviço por uma semana. Foi o suficiente para que elas se tornassem irreconhecíveis. Nem mesmo suas digitais existiam mais e elas só foram encontradas porque Temari queria. O mundo precisava ver quem eram os monstros.

Depois de um tempo, a mais velha dos irmãos Sabaku estava de volta à casa principal. Tão bela como uma princesa. Como se tivesse nascido para ser assim. O rosto ainda tinha algumas pequenas falhas na bochecha, como se a bichectomia tivesse sido um pouco mais forte de um lado. Infelizmente não existe uma forma de consertar tudo, mas ela estava melhor do que nunca. O nariz reto e arrebitado na ponta, os lábios um pouco carnudos e os dentes tão brancos quanto a luz da lua. Seus cabelos estavam loiros e ela descoloriu até mesmo as sobrancelhas, o que as fez parecer quase inexistentes. Apesar disso, ela estava linda.

Pronta para se tornar ativa na empresa do pai, ela estava mais cheia de vigor do que nunca. Entrou em uma faculdade de renome e seguiu com os estudos enquanto aprendia mais sobre seu futuro império. Não entenda mal, mas ela não era uma louca assassina, ela só fez aquilo que tinha direito. Drenaram todo o seu psicológico, abusaram dela e tentaram matá-la, então nada mais justo do que mostrar a elas como se termina um serviço.

A terapia ajudou muito, mas no fundo ela sabia o que realmente fez com que se sentisse melhor. Matar os fantasmas do passado. Se tornou mais confiante, sociável e uma irmã coruja. Nenhum dos seus irmãos iria viver o que ela teve que viver. Ela havia se tornado tudo o que sonhou. Tudo o que ela merecia.

Afinal, o mundo é dela. É tudo dela.

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