Aquilo que nos liga

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Eu estava deitada em minha cama, buscando abrigo do frio na minha coberta velha. A cama estava encostada na parede, e nela havia uma janela. Por ela eu assistia uma tempestade desabar sobre a terra. As gotas caiam como chumbo, e o barulho contínuo era um calmante, impedindo-me de pensar.

Meu pé escapou da coberta. A temperatura estava baixíssima. Puxei ele rápido para dentro. Tive que ficar quase em posição fetal para ter o corpo todo coberto.

— Coberta pequena do caralho. — Tive o cuidado de xingar baixinho, para não acordar minha família.

Olhei para o outro lado do cômodo. Roupas jogadas em uma cadeira; minha escrivaninha lotada textos avulsos. O quarto estava uma zona. Prometi mentalmente arrumar tudo no dia seguinte, que naquele instante faltavam 20 minutos para chegar.

Sem nada para fazer, voltei a olhar para fora.

Uma coisa estava diferente. Na calçada havia uma sombra semelhante a um humano. Congelei na mesma hora. Aquilo não estava ali, eu tinha certeza disso. Fiquei com o olhar cravado naquilo, sem tirar os olhos. A sombra não se mexia. O medo daquilo se mexer caso eu tirasse os olhos foi vencido pelo cansaço, e parei de encarar. No momento que o deixei, vi algo se mexer pelo canto dos olhos.

E quando olhei para fora, não tinha mais nada lá.

No dia seguinte, continuei procurando a sombra; não obtive resultados.

Com os fracassos sucessivos, parei de me importar. Até que essa noite se tornou apenas memórias, e se afundou no limbo do esquecimento.

*

Seis meses depois, enquanto escrevia, escutei o ranger da janela abrindo-se. Me virei bruscamente, e vi a janela balançando lentamente. Uma brisa fria invadiu o quarto. A rua estava escura; nenhum poste estava aceso.

Me levantei e fui à janela. Um cachorro latia em algum canto desconhecido. Quando cheguei nela, senti meu rosto arder na fria brisa noturna. E, do nada, um clarão me cegou instantaneamente.

— Ahh! — Em reflexo tampei meus olhos com as mãos.

Quando minha visão se acostumou enfim com a luz forte, vi, bem embaixo do poste recém aceso, um homem.

Suas feições estavam escondidas por uma máscara preta, com inúmeros círculos dourados. Sua roupa: um pijama. De pandas.

A máscara não tinha nenhum buraco que o deixa-se me ver, mesmo assim, ele levantou a cabeça e me encarou. Fechei a janela de uma vez. O eco da madeira batendo ecoou pela casa. Escutei meu pai resmungar no outro quarto, mas nada disso importava.

No momento que olhei o homem, eu o conectei automaticamente a sombra que vi seis meses atrás. Eu tinha certeza — mesmo sem saber o porque—, que ele e a sombra eram a mesma pessoa. Essa ideia me aterrorizou: isso queria dizer que ele estava naquele ponto desde seis meses atrás, ou até mesmo antes.

A janela já estava fechada, mas ainda não me sentia segura. Estava quase indo ao quarto dos meus pais, contar tudo que desconfiava, quando meu corpo travou.

Uma brisa fria levantou meus cabelos.

Me virei lentamente. A janela estava aberta, e pendia para os lados. E, na minha cama, ele estava sentado.

— AH...

Quando tentei gritar ele tampou minha boca com as mãos. Tentei morder a mão dele, mas com a outro mão ele apertou minha garganta. Sua força era descomunal; lutei até minha força acabar, e meu corpo amoleceu. Ele me largou na cama.

— Cof! Cof! — Tossi violentamente; meus olhos piscavam com as lágrimas que empossavam minha cara.

Olhei para cima, e ele me olhava.

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⏰ Última atualização: Apr 02, 2023 ⏰

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