Capítulo Único

318 20 2
                                    

Finalmente consegui sair daquela sala abafada. Abrindo a porta de vidro, recebo a primeira lufada de vento. Graças a Deus um pouco de ar nessa cidade quente de merda. Ninguém mais aguenta o calor que faz aqui durante o dia, e nessas horas agradeço por trabalhar à noite. A rua está quieta, a essa hora não passa muitos carros por aqui. Na esquina debaixo há um bar bem movimentado, mas no meio de semana quase não há barulho, principalmente daqui. Tiro do bolso o maço de cigarros e retiro um, depois pegando o isqueiro. Acendo o cigarro, dando a primeira tragada. Agora assim, meus quinze minutos abençoados começaram. Quinze minutos de intervalo. Não os uso pra comer, nem para conversar, já que aliás não há com quem conversar em minha sala, não os uso para ficar na internet, o que é perda de tempo, na minha opinião. Gasta-se tempo demais jogando conversa fora com pessoas que nunca te viram, não se importam com você e inventam mentiras. Você acha que os conhece, mas está redondamente enganado. Para mim, nada substitui uma conversa olho a olho.


Olho para o céu. Está um azul escuro bonito, algumas nuvens esbranquiçadas passeando, poucas estrelas despontando. E o vento que acaricia meu rosto. De camiseta e jeans, acabo sentindo um leve tremor, mas não me incomodo. Concedo-me o luxo de poder sentir um pouco de frio só para me lembrar de como é a sensação quando estiver novamente no calor infernal do dia seguinte. Um carro passa, pessoas conversam animadas, e eu tenho quase certeza que estão indo para o bar da esquina. De qualquer forma, já passou e meus olhos vagam pelos prédios ao redor. Há um bem defronte ao jornal onde trabalho, onde estou de pé, a observar. O prédio é baixo, dois andares, um cinza escuro, com sacadas na frente. Solto uma baforada, outra tragada, um pouco entediada, até que meus olhos se prendem em algo novo. Na sacada de cima, a janela-porta está aberta, permitindo-me observar o que há lá dentro, mesmo que apenas de relance.


Uma moça de camiseta escura e calça de moletom está de pé, perto do sofá, provavelmente esperando para se sentar. A televisão em frente ao móvel está ligada, obviamente não consigo ouvi-la. A moça tem os cabelos cacheados, volumosos, armados. Parece bonita. Fico mais alguns segundos observando-a, e começo a me perguntar quem ela é. O que faz da vida, quem seria sua família, teria namorado? Será que gosta de maçã ou de laranja? Ou seria jaca? Por que ela está acordada a essa hora da noite? Será que tem insônia, está esperando alguém ou simplesmente não perde um episódio da sua série favorita na televisão? O apito do meu celular me tira dos devaneios. Acabaram-se os quinze minutos. Jogo a bituca no chão e dou mais uma olhada para a sacada, como se me despedisse da moça de cabelos cacheados. Volto-me para dentro, não sentindo tanto a temperatura, pois há ar-condicionado.


Quinze minutos, em uma noite não tão fria, me faz voltar no dia seguinte à frente da sacada. Com um cigarro nos lábios, um pouco de cansaço acumulado pelas longas horas de leitura, eu me posto no mesmo lugar, dando uma observada geral pela rua. Novamente, tudo quieto, tranquilo. Na sacada o cenário é diferente. Lá dentro a luz está acesa, e vejo a moça andando de um lado para o outro. Parece conversar com alguém. Para uma pessoa estar na casa dela a essa hora, deve ser um namorado, marido ou parente muito querido. Ela ri de algo, pelo menos é o que me parece. Desaparece do meu campo de visão, voltando logo depois, com um copo na mão. Solto uma baforada, em silêncio, adorando pensar nas mil possibilidades de histórias para aquela cena. Perguntas sem fim rondando minha mente. Todas, claro, por ora, sem respostas. No meio de uma tragada e começo de uma baforada, ela sai da porta, em direção à sacada, e parece que olha diretamente para mim. Engasgo, tossindo um pouco de fumaça, sem jeito, enquanto percebo que ela parece continuar me olhando. O celular apita. Graças a Deus, salva pelo gongo. Bituca no chão e eu já entrei.


Fim de semana. Trabalho de sábado, e as horas são poucas, por isso não há saída para fumar um cigarro. E infelizmente, não há moça da sacada. Domingo em casa, entre livros, séries, comida, café. E cigarros. Almoços em família que já não aguento mais. Segunda-feira. Chove levemente, o que faz com que o ar fique úmido e mais fresco. Quinze minutos. Cigarro entre os dedos, e quando levanto a cabeça para encarar a sacada, a surpresa. A moça está lá, sentada em uma cadeira, olhando para mim. Paraliso, mas resolvo continuar ali. Dou uma tragada, olho o movimento da rua, mas como sempre, está tudo parado. Observo um gato correndo atrás de uma barata, um carro passa fazendo escândalo e depois tudo se aquieta novamente. Volto a olhar para a sacada, e me deparo com a moça lá, tomando alguma coisa em uma xícara. Só então pareço me dar conta. Moça esquisita. Ficando na sacada com chuva... Vai ficar doente. Ela parece não se importar. Depois de me olhar demoradamente, encosta a cabeça na cadeira e fecha os olhos, sentindo os pingos pelo rosto e corpo. Permaneço ali, desta vez sem desviar o olhar, até o apito do celular. Nesse momento, ao jogar a bituca no chão, e uma última olhadela na sacada, percebo que ela também se levantou.

15 MinutosOnde histórias criam vida. Descubra agora