Reescrever a história é desfazê-la. E escrever outra
Cogitei, de princípio, regressar a linha temporal. Revisitar o passado. Constataria minhas ações no pretérito. Meus cabelos perdendo a palidez, minha pele ganhando seu tônus original, as fendas e riscos de meu rosto abandonando-me. A juventude me invadiria pelas narinas, e seria doce ao meu paladar o vento fresco da manhã de minha vida, mais uma vez provado, pela ação daquela simplória máquina. Meu vigor regressaria uma vez mais, penetrando-me por minha coluna novamente ereta.
Lá, no momento passado, retomaria meus planos abandonados, meus engenhos fracassados, e vingaria cada um de meus sonhos despertos. Poderia mais uma vez encontrar as chances que desencontrei, recobrar as oportunidades de que não fiz uso, encarar corajosamente as mesmas condições de outrora, com a superioridade das experiências de então. Rever rostos agora ausentes, recordar amizades já perdidas, voltar a sorver as deliciosas emoções que já desconheço.
Trajar inéditas roupas, hoje bolorentas. Retraçar itinerários, reprogramar os encontros das visitas que não fiz. Completar o que ficou parcial, colar o que se partiu, agir de forma a não lamentar perder a oportunidade do perdão não dado. Abraçar intensamente a quem não mais tenho condição de fazê-lo.
Então poderia preparar-me um melhor futuro, que hoje é meu presente. Encontrar melhores soluções, degustar vitórias não alcançadas, usufruir as chances todas. Comparecer em fotos onde ausente. Fazer as viagens que perdi, confirmar os compromissos que não saldei, e amar mais intensamente a quem eu amo agora.
Que viagem fantástica seria! E atemorizante. Se fizesse o que não fiz, visse o que não vi, realizasse o que não efetuei, se fosse o que não fui, talvez não seria mais o que sou agora. Mudaria cristalizadamente o que sou hoje. Uma única mudança no passado e não me sou mais. Seria outro. Ou o mesmo, em outras condições. Piores ou favoráveis. Vivendo uma vida que não mais é minha. Desisti.
Não quero mais viajar ao passado. Não é seguro. Reescrever a história é desfazê-la. E escrever outra. Quero meu script do jeito que está. Asseguro-me de ser quem sou e isso basta. Nunca pensei-me feliz por ser quem sou. É que poderia ser pior. Ficamos como está.
Mas o que dizer do futuro?
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Minha máquina do tempo
Short StoryQuem jamais não desejou com toda intensidade da alma verter ao passado ou singrar velozmente ao futuro?