Alguém para estar do lado I

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Durante o pouco tempo que ficou no hospital, não viu seu pai, nem sua mãe. Porém, logo que recebeu alta, pode ver do lado de fora do quarto em que estava, a sua figura paterna lhe esperando.

— Sua mãe está bem? — foi a primeira pergunta feita pelo homem, enquanto se ajoelhava para abraçar o filho — você... está bem?

Novamete, o garoto sem entender nada do que acontecia ali, começou a chorar. Não conseguia responder duas simples perguntas.

Depois de ficarem um tempo abraçados, logo se dirigiram ao carro que esperava do lado de fora do hospital. Agora, um Kia Cerato de cor vermelho vibrante ocupava o lugar do A3.

— Vamos pra casa da vovó. Tudo bem pra você? — perguntou colocando o menino no banco traseiro.

— Quero ficar com você, pai — o garoto segurou a mão do homem quando ele iria fechar a porta de trás.

— Não tem como. Sua mãe não quer que eu fique com você. Ela disse que logo que sair do hospital, vai ir te buscar, okay?

— Por quê? Por que ela não quer que eu fique com você?

— Com o tempo você vai descobrir — um sorriso fechou a frase, enquanto o pai trancava a porta e se direcionava ao acento de motorista.

O caminho não era longo até a casa dos avós, e, nesse período, pai e filho foram cantando algumas músicas que passavam pela rádio.

Logo que o percurso foi concluído, ambos saíram do carro e observaram a frente da casa que seria lar do menor por volta de um mês. A cor da casa era branca, a cor estava tão forte que parecia ter sido pintada há pouco tempo. Uma porta de madeira, igualmente ao telhado dava a visão de que o imóvel era algo mais rústico. A frente da casa possuía um pequeno jardim com dez metros de comprimento e dois pés de tangerina em cada ponta. Duas janelas, também de madeira, se abriram com o som da buzina sendo tocada pelo pai do garoto.

De dentro da casa, saiu uma mulher com aprentemente cinquenta anos, enquanto ainda no interior da moradia, olhava um senhor, um pouco mais velho, da janela.

— Desculpa vir tão cedo, mas sua filha não queria que eu passasse mais tempo com ele — um sorriso forjado foi apagado conforme o rosto sério da mais velha não mudou.

— Não sei o que fiz com essa garota para merecer isso...

— A culpa foi minha, senho...

— Eu sei que você é sim, um belo de um escroto. Mas quem te escolheu foi ela, não muda o fato — pegou  pelo ombro o garoto, que segurava a mão do pai ao seu lado — não pague de bom moço, assumindo a culpa. O que foi feito, foi feito. Agora, não pise mais aqui.

Um pequeno gemido vem do menino pelo fato das mãos da senhora apertarem fotemente seu ombro. O pai do pequeno ligou o carro e seguiu caminho.

— Não te vemos como família. Se causar problemas, não exitaremos em mandá-lo para algum lugar, ouviu?

Um pequeno gesto confirmou que o garoto havia escutado.

Ainda não passava das onze horas, mas a falta de um café da manhã fazia o estomago do menino roncar. Como nem mesmo alcançava armários ou o fogão da casa, foi até a vó.

— Consegue fazer algo pra mim comer? — saltitante e sorridente — pode ser macarrão.

— Você tem mãos e pernas. Não espere de nós, se pode fazer você mesmo.

— Mas eu não alcanço o fo...

— Então espere até a hora em que formos comer.

𝕆 𝔾𝕒𝕣𝕠𝕥𝕠

Toda a primeira semana de convivência com os avós maternos foi assim. Teve de adaptar-se aos costumes de vida dos mais velhos.

Sua vó levantava às seis horas da manhã, comia algo como pão, torradas, bolacha ou qualquer coisa do gênero. Nesse meio tempo, o menino roubava algumas coisas dali para saciar sua fome. Ao menos um copo de leite quente sua vó esquentava para que ele tomasse.

Perto das quatorze, o almoço ficava pronto. Nada muito especial, somente arroz, feijão, salada de algum tipo e, com sorte, em alguns dias havia carne.

Por fim, quando o relógio batia exatamente dezoito horas, algo como o café da manhã era servido. E assim, foi a primeira semana inteira do menino ali.

Depois de aprender sobre a rotina de comida, começou a reparar em outros hábitos da vó. Logo que o café era tomado, a mulher sentava no sofá e assistia até meio dia. Nunca era o mesmo canal, sempre algo diferente e sempre algo sem graça. Entretanto, o menino sem ter o que fazer, assistia, sentado no chão.

Quando a metade do dia chegava, a mulher entrava no quarto de seu vô, lugar de qual o mais velho, nunca havia saído, se não fosse para fazer suas necessidades. Com a porta fechada, os dois ficavam conversando durante todo o tempo até a hora do almoço chegar.

Depois que comiam, a vó saía para o jardim, sentava em uma cadeira de balanço e ficava ali até a hora de comer novamente.

E desse jeito, se passaram longas três semanas. Até que em um dia...

𝕆 𝔾𝕒𝕣𝕠𝕥𝕠

Os feixes de luz invadiam o quarto do garoto pela janela. Do lado de fora, o sol provavelmente despontava com toda sua majestade. O cheiro de café pronto chamava o menino a acordar.

O pequeno levantou da cama e correu para o banheiro escovar seus dentes. Dirigindo-se à cozinha, pegou uma faca, cortou um pequeno pão francês e passou manteiga. Um copo de leite quente esperava em cima da mesa.

Olhou pela cozinha, mas sua vó já estava na sala. Descobriu pelo barulho que a televisão fazia ao ser ligada. Correu até a garrafa térmica e despeijou um pouco do café em seu copo. Talvez essa tenha sido a pior "travessura" que o garoto tenha feito em sua vida.

Naquele dia, completavam-se sete meses que não via sua mãe.

Logo que comeu, lavou todas as coisas que sujara, foi à sala, pegou tudo o que a vó havia utilizado e também lavou. Ficou um pouco ao lado da senhora, mas em curto tempo, se entediou. Foi ao quarto, abriu a janela e no exato momento, viu um caminhão parando em frente a casa vizinha.

Do caminhão, saíram móveis, eletrodomésticos, brinquedos, roupas e tudo o que se podia imaginar. E pouco depois, um Gol branco estacionou atrás do caminhão.

Do carro, saiu um homem com cabelos grisalhos, barba já branca, mas bem preservado e aparentemente saudável. Devia ter seus quarenta anos. Fora o homem, mais uma pessoa saiu do automóvel. Uma criança. Uma garota.

Tinha um tamanho semelhante ao menino, provavelmente a mesma idade. Seu cabelo de cor acastanhada ia até os ombros. Sua pele brozeada cintilava e brilhos surgiam de pequenas gotas de suor que se acumulavam em sua testa. A menina passou rapidamente a mão no local e fazendo esse movimento, percebeu que alguém a observava. Assim, o pequeno garoto fechou ligeiramente a cortina do quarto, cerrou seus olhos e sentiu que tinha feito algo errado. Então, deitou e dormiu novamente.

Durante todo aquele dia, os olhos âmbar da menina, não saíram de seu pensamento. Talvez ela pudesse vir a ser uma amiga.

Talvez...

... alguém para estar do lado.

O GarotoOnde histórias criam vida. Descubra agora