Um abraço

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"É só um cumprimento." - Soraya repetia para si mesma - As bochechas se tocam, um beijo para o ar, que sinceramente parece desnecessário que as pessoas façam tanta questão de simular um estalo. É só um cumprimento. Nada demais. Humanos interagem assim desprentensiosamente.

"É só dizer um oi, sorrir, um abraço frio, um beijo para o ar e um rápido toque de bochechas. É só cumprimenta-la, fingir simpatia e sair."

Mas era ela: Simone Tebet. Não podia admitir, mas isso a deixava nervosa. Precisava engolir o nervosismo. Se aproximou do grupo de senhoras sorridentes que provavelmente conversavam sobre suas próximas viagens ou regalias que elas se permitiam bancar com suas aposentadorias exageradas. Reprimiu o curto circuito em seu cérebro e se aproximou das madames como se fosse tão segura quanto aparentava ser naquele uniforme de juíza.

_ Ooolá, senhoritas! Estão gostando do evento? - disse soraya num tom simpático que não parecia irônico diante de seis jovens senhoras entre 50 e 70 anos.

_ Soraya, querida!

Droga, Simone sempre tinha que ser a primeira a falar. Seu timbre de voz já desregulava minha respiração e eu nem entendia porque. Vários outros "Olá" e sorrisos simpáticos me acompanharam, mas eu não estava prestando muita atenção além do sorriso de Simone que realmente parecia simpático.
Deus do céu, porque ela tinha que ser a rainha da simpatia? Era enjoativo, não era? Deveria ser! Ninguém pode manter esse sorriso verdadeiro o dia inteiro. Em um evento cheio de equipes de adolescentes, e crianças correndo para todos os lados. Deveria ser proibido sorrir desse jeito em um galpão quente como aquele.

_ Que bom te ver, Simone.

Porra! Era bom mesmo. Principalmente porque tinha tanto tempo que não a via, e porque nosso ultimo encontro foi um tanto frustante devido a minha capacidadede passar vergonha e falar coisas antes de filtrar. Mas lá estava Simone tebet, em toda sua imponência e roupas estranhas. E sorriso largo, e furinho no queixo, e olhos jabuticaba, e sorriso acolhedor. Já mencionei o sorriso?

"Pára de prestar atenção no sorriso, Soraya! Postura... Ela está vindo te abraçar. Ok, vamos fazer isso."

_ Ahhh, que bom te encontrar, Soraya! Olha Beth, foi dessa Soraya que eu falei contigo.

"Oi? Falou de mim?" Curto circuito.

_Ela é juíza voluntária desses evento estudantis. Lembra que sugeri convida-la para palestrar na universidade... - continuou Simone para a dita Beth, uma senhorinha de cabelo platinado de aparência bondosa.

"Ela ainda não desistiu de me ter por perto?"
Não olhei para a tal Beth novamente, meu cérebro estava ocupado buscando algum caminho de fuga.

_Preciso ir, vou ter que avaliar mais trabalhos desses jovens eufóricos. Foi bom ver vocês!

"Porque eu falei isso? Nem conheço todas essas senhoras."

_ Vai lá Soraya, não queremos te atrapalhar! - disse simone sorrindo e vindo em minha direção com braços abertos.

"Mais abraço? Meu Deus, o cheiro dela é bom!"

_Deixa eu aproveitar mais um pouco desse abraço já que demoramos tanto para nos ver.

_ Então aproveita, Soraya! -respondeu simone.

"Eu tinha falado em voz alta?"
Apertei o abraço e aproveitei para esconder o rosto em seu pescoço por um segundo. E puta merda!
Era insanidade, mas encostei os lábios no pescoço de Simone, e sem pressão nenhuma, o hálito quente em contato com a pele mais quente ainda, fez formigar meu corpo.

Fechei os olhos.
Imaginei como seria se ela me arrastasse dali para perto de uma das arquibancadas, longe dessas senhoras que trabalhavam com ela por pura vaidade e não por necessidade, e dissesse ao meu ouvido "Aproveita, soraya!" com essa voz aveludade e grave.
Imaginei como seria chupar aquele pescoço, passear minha língua em torno da orelha dela, descer aquela camisa social que não mostrava nada mas prometia muito. Imaginei aqueles dois olhos me olhando antes de perder o controle. Aquelas mãos me fazendo sentir o peso de cada ano de experiência daquela mulher de olhar penetrante.

"Quente, quente, muito quente!"

Minhas mãos afrouxaram o abraço. Senti minha aliança escorregar. A sensação me encomodou.
"Que loucura foi essa, Soraya?"

Afastei me do abraço. Sorri com vergonha dos pensamentos que tenho certeza que ninguém percebeu, porque as outras pessoas pareciam conversar de banalidades.
Acenei, sorri, e disfarçadamente corri. Corri com a certeza de que eu sonharia com esse inferno de mulher.

Roda Gigante  |  SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora