Capítulo I

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O som áspero da ponta da caneta se arrastando pelo papel era o único som que parecia ecoar no quarto naquela noite. Os pensamentos, que antes estavam a mil, pareciam ter desaparecido como em um passe de mágica. Os votos estavam prontos, mas de alguma forma pareciam imperfeitos. Imperfeitos de mais para serem proferidos.

Ajax merecia um texto muito melhor que isso. Ajax merecia perfeição, mas dela eu estava longe de chegar. Arranquei aquela folha, mais uma vez, embolando e jogando-a em um canto qualquer do quarto, junto às demais. Aquela já era a oitava tentativa e a cada nova, eu sentia minha frustração aumentar consideravelmente.


"Não se cobre tanto, é apenas um ensaio, ainda não é o grande dia".


Minha consciência gritava tentando me fazer voltar a realidade de que eu estava surtando por uma coisa que ainda não era real. E por mais que eu soubesse disso e soubesse que qualquer coisa que eu colocasse ali seria bom desde que fosse sincero e com amor, alguma coisa parecia errada.

Fechei os olhos e joguei meu corpo em cima da mesa a minha frente. Eu amava Ajax e isso era fato. Eu estava extremamente feliz e ansiosa para me casar e para passar o resto dos meus dias ao lado dele. Eu sabia que ele era o homem perfeito pra mim: O que me faz rir, o que me protege, o que me ama, o que me consola... Por que era tão difícil dizer isso?

Talvez um tempo de descanso era o que eu precisava. A pressão nunca levou ninguém a lugar nenhum e era isso que eu estava fazendo: Me precionando. Levantei dali deixando o papel e caneta de lado. Tomei o resto do chá que ainda estava na xícara na tentativa de aquecer meu corpo daquela noite fria.

O vento extremamente gelado entrava sem pena pela minha janela e a força com que ele movimentava as cortinas indicava que o tempo ficaria ainda pior. Não existia chuva, pelo contrário, a lua cheia pairava sobre o céu, algumas estrelas podiam ser observadas entre as nuvens baixas e extremamente negras. Um cenário nunca observado por mim antes. Dois mundos completamente diferentes, uma energia indecifrável.

Coloquei a mão sobre o peito sentindo uma ponta de ansiedade se iniciar, mas logo balancei a cabeça na tentativa de esvaziar esses pensamentos.

- Apenas paranoia, Enid, nada vai acontecer.

Coloquei a xícara de volta em seu lugar e decidi ir para casa de Ajax quando senti um arrepio percorrer meu corpo. Eu definitivamente precisava do seu aconchego.


***


- Que chato, pensei que a noite hoje seria só nossa... Eu consegui uma folga pra ficar junto com você e você vai sair? -falei suspirando pela milésima vez, enquanto observava meu moreno correndo apressado pela casa.

- Desculpe por isso, meu amor - Ajax finalmente parou próximo do sofá, um pouco ofegante pelo esforço que fez. - Eu prometo que vou recompensá-la. - ele falou observando a careta que eu havia feito.


- Toda vez é isso, a sua mãe briga com você por minha causa e quando você está aqui comigo ela te chama pra lá, faz um jantar e ganha a sua atenção. Tudo isso só para ficar te empurrando para cima da Mindy e...

Minha pequena crise de ciúmes foi interrompida pelo selar dos lábios dele nos meus. Todas as vezes que ele queria me calar fazia isso. Revirei os olhos descontente.

- Enid, ela pode até fazer isso, mas você sabe, não é ela quem eu amo. E por mais que ela tenha algum interesse por mim, ela também sabe que é você quem amo. Já estamos há um ano juntos, deixe de ser ciumenta! - ele respondeu, observando minha cara de desgosto e reprimindo uma risada. Ele sabia muito bem o quão ciumenta eu era e me conhecia o suficiente pra saber que aquela situação me deixava exatamente desconfortável- Olha só! Amanhã tem a festa da faculdade, você vai, não é?

Ajax tentou mudar de assunto sem nem disfarçar e aquilo não tinha passado despercebido por mim. Suspirei aceitando essa mudança repentida, tendo em vista que eu estava esperando aquela festa há tempos. Naquele momento, meus olhos com certeza estavam brilhando. Me permiti dar um meio sorriso e o encarei de volta.

- É claro que vou, combinamos de irmos juntos, lembra? - questionei entralaçando meus dedos nos dele. No mesmo instante, percebi uma mudança em seu semblante e uma cara triste se instalar.

- Acho melhor a gente se encontrar lá, Enid. - ele falou, cauteloso - Sabe, vai que eu...

- Se atrase e blá blá blá, tô ligada, Ajax. - revirei meus olhos tendo a certeza de que aquela era a pior desculpa do mundo. Soltei a mão dele, mas ele se aproximou mais de mim, segurando meu rosto entre as mãos.

- Ah, para vai! Não faça drama, Enid. - ele falou dando vários beijinhos por todo meu rosto. No momento que senti seus lábios tocarem minha pele, toda frustração que eu estava sentindo foi embora e me permiti sorrir. Tentei capturar seu lábios o puxando para cima de mim. - Não, não, não! Vai amassar a minha roupa, amor, e eu já estou atrasado - Ajax se levantou de supetão, me deixando frustada no sofá.

- Tá bom, vai logo de uma vez então, senão eu te prendo aqui e não te deixo mais sair! - falei observando meu namorado indo em direção à porta. Esbocei um sorriso quando percebi o quão lindo o meu namorado estava. - Eu te amo!

- Eu também te amo! Não se esqueça! - gritou ele, já do lado de fora.

Assim que o vi sair pela porta, senti minha feição cair e imediatamente o meu coração se entristecer. Aquela era a família dele e eu deveria ficar feliz por eles se darem tão bem. Levantei-me dali tentando afastar esse sentimento ruim. Andei até a pequena cômoda de madeira que eu tinha no apartamento dele. Ali ficavam todos os meus documentos, anotações e papéis importantes já que em meu apartamento era impossível manter tudo organizado devido a presença da minha colega de quarto, Yoko. Destranquei a primeira gaveta, a abri e, do fundo dela, retirei a caixinha preta, que estava escondida.

Um sorriso se formou em meus lábios assim que abri a caixinha. Dentro dela estava minha aliança de noivado. Linda e reluzente.

- De amanhã não passa!

Já faz um tempo que eu queria que tudo fossse diferente. Um ano que nós dois estávamos juntos, em um compromisso sério. O conheci na faculdade e nos demos bem de cara! De início, viramos melhores amigos, e após isso, nos apaixonamos. Ajax era um dos caras mais bonitos da faculdade e, modéstia a parte, eu também não ficava atrás. Meu cabelo loiro, as mexas coloridas e meus olhos tão azuis quanto o mar chamavam atenção por onde eu passava.

Tudo era perfeito!

Só havia um problema... Os pais do Ajax!

Ele veio de uma classe média alta, filho de um casal de políticos que não aprovavam em nada o relacionamento dele comigo. Digamos que eu era pobre ao ver deles... O que não era verdade, já que minha vida financeira era completamente estável e organizada. Mas, eu tinha a consciência de que, diferente do meu namorado, não nasci em berço de ouro. E, sabendo disso, meus sogros deixavam seu desgosto por mim visível e isso me atingia muito mais do que eu gostaria.

A noiva cadáver - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora