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A cidade onde morávamos não era grande e tinha muita natureza para explorar. Foi assim que Justin e eu descobrimos um cantinho isolado e bonito para chamar de nosso. Nem me lembrava mais há quanto tempo havíamos encontrado aquele lugar e o frequentávamos.

A árvore na beirada da lagoa fazia sombra sobre metade dela, ficamos protegidos sob seus galhos e folhas. Justin estava com os pés na água, mas eu nem havia tirado os sapatos. Estava com as pernas cruzadas e observava a paisagem na superfície da lagoa. Conseguia ver o azul do céu mesmo sem olhá-lo diretamente.

Justin mordeu a maçã outra vez e me observou, conseguia sentir  o olhar dele me perscrutando.

— Sabia que você está parecendo uma abelha-operária com essa roupa? — perguntei.

— E quem é a abelha rainha? Você? — zombou.

Me virei para ele, que carregava um sorriso lindo no rosto.

— Exatamente, e é tão óbvio que até você percebeu.

— Sabe que com sua velocidade de raciocínio você não pode zoar ninguém, né?

— Vai à merda! — falei rindo e ele riu junto.

Mordi o último pedaço de bolo.

— Eu adoro que você sempre compra água de coco — disse enquanto tomava um gole.

— É a melhor bebida que tem — falou dando de ombros. — E aí, vai me contar o que aconteceu ou quer seu tempo para digerir tudo?

— Não sei — admiti. — Acho que vou esperar mais um pouco e conto depois, tudo bem?

— Como for melhor pra você. Só saiba que tô aqui pra o que precisar — ele esclareceu e colocou a mão em cima da minha, acariciando-a.

Suspirei afetada e ele afastou a mão, tive que me segurar para não protestar sua distância. Ele abriu um pacote de cookies e me ofereceu. Comemos as coisas enquanto conversávamos.

Justin era o amigo mais próximo que eu tinha, mas nem sempre isso queria dizer proximidade física. Às vezes, demoravam semanas até a gente se ver de novo. Acho que crescemos mesmo, cada um com suas responsabilidades para arcar e sem muito tempo de sobra para lidar com o resto.

— Acho que a gente devia voltar a se ver mais — falei.

— Como assim? — ele me olhou com curiosidade.

— Sei lá, quando a gente era pequeno se via todo dia. Agora te vejo raramente — resmunguei.

— Tá, não sei se isso é algo pra ficar alegre ou preocupado. — Ele pôs a mão na minha testa. — Você está doente ou com febre? Isso são sintomas de saudade?!

Afastei o braço dele com um tapa.

— Para com isso, palhaço. Tô falando sério.

— Eu também. O que aconteceu? Você nunca reclamou disso, eu que ficava enchendo seu saco pra a gente se encontrar mais vezes.

— Eu sei, eu sei — desdenhei. — Mas quer saber, isso é ridículo, não quero te ver só pra coisas específicas. Quero aproveitar a sua companhia.

Ele olhou para frente e deu um riso debochado. Balançou os pés na água acabando com a imobilidade da superfície, depois suspirou pesadamente.

— Você terminou com o Tomas — falou.

— O quê? O que o Tomas tem a ver com isso? — fingi incredulidade.

— É sério que você vai se fazer de desentendida sobre isso? Pior, pra daqui a dois dias me contar algo que eu já sei agora. Corta essa, Emília.

— E é por isso que você é a pessoa mais irritante que eu conheço — declarei.

— E você me ama um montão — falou com aquele sorriso debochado. — Como é que não me contou isso logo?

— Sei lá, só quero apagar ele da minha memória — confessei.

Estava exausta dessa história toda. Tomas e eu não fomos um casal de verdade, tínhamos uma química das boas, mas nossos corações nunca estiveram conectados. Nossas conversas eram sempre sobre coisas bobas do dia a dia, nada profundo demais. Mas é assim que sou: profunda. E quando tentamos namorar ficou bem óbvio porque isso nunca daria certo. Acho que somos opostos em tantas coisas que nem consigo me lembrar de algo que a gente tinha em comum.

— Posso te ajudar a fazer isso? — ele se colocou à disposição.

— Talvez. O que você faria para entreter essa gatinha aqui? — fiz um gesto com as mãos me indicando.

Ele olhou ao redor, o céu estava escurecendo e isso indicava que devíamos ir embora. Comemos tudo, a única coisa que sobrou foram os farelos espalhados pela toalhinha que levei. O vento balançava a copa das árvores e fiquei contente de estar com uma blusa de manga longa. Justin tirou os pés da água e notei que eles estavam um pouco enrugados. Então, ele voltou o olhar para mim, o sol já estava perto de se pôr, mas os olhos cor de mel ainda refletiam luz. Suspirei.

— Você pode ir lá pra casa, a gente cozinha ou pede delivery e fica assistindo algo ou jogando.

Dou um sorriso.

— Isso é perfeito — disse. — Obrigada, meu bem.

Ele concordou com um sorriso nos lábios rosados. Acho que Justin é uma das coisas mais bonitas que já vi.

— Tô aqui pra isso. Ok, então vamos nessa — falou.

Nos levantamos e nos ajeitamos para partir. Só a presença dele já deixava meu coração mais leve.

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