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Minha cabeça começou a doer antes mesmo da discussão acabar. É claro que virei as costas e saí andando quando percebi que aquilo não ia levar a nada a não ser mais desgaste. Tomas tentou me impedir, mas quando ele tocou em meu braço falei que se não soltasse imediatamente eu ia começar a gritar. Me conhecendo o suficiente para saber que não era um blefe, ele afastou com relutância sua mão de mim. Suspirei com nítido alívio.

- Não quero que me procure mais, tá entendendo? - Falei com o dedo em riste. - Eu não quero ouvir porra nenhuma que você tem para dizer!

- Não faz isso, por favor! - ele implorou. - Você sabe que sempre acaba voltando.

A declaração foi o bastante para gravar na mente que eu preferia ter que quebrar minhas duas pernas do que voltar com esse babaca. Não sei como permiti que uma pessoa tão ridícula permanecesse tanto tempo em minha vida. Mas quando ele me tocava... não sei, conseguia me aproximar em instantes e antes que me desse conta estava rendida em seus braços.

Não mais. Nunca mais!

- Espero que essas palavras apodreçam na sua boca - gritei de costas enquanto me afastava.

***

Estava caminhando pelo quarteirão para tentar me acalmar quando uma ideia surgiu na mente. Peguei o celular e liguei para a única pessoa que poderia transformar esse momento e toda a aflição em uma coisa boa.

- Alô? - ele respondeu no terceiro toque.

- Tá livre? - perguntei. - Preciso de você.

- Hum, claro. Mas tô terminando de lavar os pratos que sujei, consegue esperar 10 minutos?

- Sim, sem problemas. Vamos dar um rolê de bike, chego aí em meia hora.

- Fechou, estarei esperando.

Voltei a passos lentos para casa. Peguei frutas, biscoitos e a metade que sobrara de um bolo que minha mãe fez. Organizei tudo na cestinha e me preparei para sair. Ao me aproximar da bicicleta percebi que as plantas do jardim estavam com as folhas meio murchas, fiz uma nota mental para regá-las quando voltasse à noite.

Com o coração mais alegre só de imaginar com quem eu iria encontrar, segui o caminho pedalando até sua casa.

Ele não morava longe e acho que acabei chegando mais cedo do que pretendia. Me aproximei da entrada e toquei a campainha. Ele não saiu, então apertei outras duas vezes seguidas.

- Já vai - o escutei gritar e, então, ele abriu a porta.

Meu coração vibrou quando o olhei.

Ok, ele acabou de sair do banho, pensei.

Justin estava só com a toalha envolta dos quadris e um volume acentuado no meio das pernas que não deu para não reparar. Desviei o olhar. O cabelo curto estava molhado, assim como o resto do corpo. O peitoral e os braços tatuados pareciam brilhar com a película de água. Ele era uma dessas pessoas que me deixava sem palavras, não sabia bem se tinha como descrever sua beleza. Seus lábios rosados estavam afastados e seus olhos cor de mel me encaravam de volta.

Gostava de elogiar e fazer comentários positivos sobre a aparência dele e todo o mundo que existia por detrás de uma armadura de pele e osso. Mas não podia esquecer que ele era meu amigo. Além de que deveria existir um limite seguro do que era para fazer ele bem, reconhecendo-o por quem ele é, e do que poderia ser apenas um desejo egoísta meu.

Em resumo, a conversa que se passava na minha cabeça era mais ou menos assim: "Ele é gostoso? Sim, é. Mas você não precisa ficar reparando nisso."

Engoli em seco.

- Olá! - acenei.

- Oi, Lia - ele disse enquanto me puxava para dentro e depositava um beijo úmido em minha bochecha. - Achei que daria tempo de tomar um banho rapidinho - contou -, espera que volto num minuto.

Acenei em confirmação, mas ele já estava a caminho do próprio quarto. Reparei desde a tatuagem de asas na nuca até o final da coluna e a toalha sobre o volume da bunda.

Quando me dei conta do que estava fazendo, desviei o olhar com um pensamento de repreensão. Fiquei ali, parada ao lado da porta entreaberta, esperando que ele voltasse completamente coberto e decidida a não pensar mais nenhum tipo de besteira.

Quer dizer, eu deveria estar péssima, havia acabado de romper uma coisa que rolava há quase um ano e meio. E, apesar de o Tomas ser um babaca, realmente gostei dele. Claro que não foi a melhor coisa da minha vida e, depois de um tempo, começou a pesar muito mais do que deveria. Mas eu estava decidida que havíamos chegado ao fim. Meu melhor amigo me ajudaria a superar isso, mas não se tornando o alvo de meu desejo.

Como se isso fosse algo de agora...

Tentei afastar a voz que sussurrava, era vergonhoso pensar nessas coisas justamente agora. Por que diabos ele apareceu seminu na minha frente?

- Justin, você é um maldito - resmunguei de forma inaudível para mim mesma.

Ele saiu do quarto vestido com uma bermuda amarela e uma camisa preta, estava incendiando todo o ambiente com cheiro de sabonete e perfume. Quase fui arrebatada quando ele me deu um abraço forte. Inspirei o cheiro da pele e me demorei no abraço, finalmente me sentindo confortável com um toque, uma presença e uma pessoa. A melhor pessoa que eu poderia ter.

Ele sabia do quanto eu precisava daquilo, ele sempre sabia o que oferecer. Nossas respirações e nossos batimentos estavam sincronizados, assim como o afeto que vibrava nos corações. Às vezes, quando temos muita sorte na vida, conhecemos alguém assim. Alguém que nos entende, que sintoniza no mesmo padrão e queima com uma chama semelhante à nossa.

Não era preciso dizer nada, as mãos dele subindo e descendo pelas minhas costas me acalmavam. Respirei fundo outra vez, ainda embriagada pelo cheiro dele, e me afastei. Ele retirou com o polegar uma lágrima solitária que havia escapado do meu olho. Dei um sorriso tímido e seguimos juntos até a varanda.

As coisas estavam um pouco fodidas, mas não ia prestar atenção nisso agora. Ao invés disso, olhei para o céu azul e sem resquício de nuvens, o vento frio ajudava a não sentir calor, apesar do sol quente sobre nós. Peguei fôlego e olhei para o lado, ele já estava montado na bicicleta e pronto para partir.

- Aposta para ver quem chega primeiro no lago?

- Você vai perder! - debochei.

Começamos a pedalar loucamente. Pensei, enquanto tentava passar na frente, que não era exagero dizer que Justin Bieber era um presente.

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