03 - Barcelona

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Agora tudo fica mais concreto, porque é o que a vida é fora das mentes e na altura adulta. Mas tudo ainda estava ali, pulsando como um segundo coração.

Lauren deixou o bife cair na tábua e o bateu com a parte achatada da faca antes de fazê-lo com a lâmina para amaciar sua textura dura.

Fazia isso pensando nos filhos.

Juan e Diego não eram exigentes, mas Caro não gostava de carne, porém era o que tinha.

Era estranho para Lauren colocar na balança que um dia tinha sido uma garota doce e feliz depois de endurecida pelo tempo.

Dura como aquela carne maldita!

Era o que tinha. Era o quanto sua vida valia e desgostosamente a de seus filhos.

Fernando estava trabalhando, mas não era o suficiente. Embora sempre tivessem um prato com alguma comida, a precariedade batia em seus rostos com força.

O que tinham? Um ao outro. Uma família.

Isso era o suficiente?

Ela esperava impaciente pela única coisa que tiraria um sorriso tão bem escondido que não conseguia alcançar. Espiava a rua movimentada pela janela com grande frequência. Sua visão periférica mantinha os filhos em segurança. Seus ouvidos podiam distinguir a bagunça das crianças do falatório dos moradores. Se algum deles gritassem, já saberia o motivo antes mesmo de se virar para vê-los.

Lauren espiou novamente pela janela. Onde estava?

- Mamãe! - Carolina demandou sua atenção e Lauren abandonou a carne sobre a tábua e a janela aberta para se abaixar de modo a ter a mesma altura que a criança.

Estava muito quente. Seus cabelos antes compridos estavam mais curtos e amarrados em um rabo de cavalo caído porque não conseguiu tempo livre para mantê-lo no lugar. Mesmo os cabelos escuros de sua pequena estavam embolados no topo para deixar seu pescoço livre para receber qualquer brisa perdida no espaço.

- Qual é o problema, princesa? - sua voz era açucarada.

- Diego não quer me dar o carrinho dele para brincar! - fez sua queixa infantil e importantíssima.

- É meu! - o menino já emendou sua justificativa.

- E não podem brincar juntos? - Lauren buscou negociar.

- Caro é chata, mamãe! - Juan reclamou - sempre capota nossos carrinhos.

- Porque eu vivo perigosamente! - a caçula disse com uma graça que Lauren teve de se esforçar para não rir.

- Vamos fazer assim: vocês deixam Carolina brincar e ela capota apenas um carrinho.

As três crianças desabaram em reclamar, o que era exaustivo. Criar seres humanos era complicado e frustrante. Nada caminhava para o conhecido, não importa quantas vezes passasse pelo processo.

Nenhum deles queria ceder porque estavam ali para serem egoístas. Passaria, mas levaria tempo e demandaria paciência.

- Que família unida e harmoniosa! - a voz mais esperada por todos soou e os moradores da casa se viraram para apreciar a entrada animadora de Camila.

A presença de Fernando era comum, mas ele era só o papai, diferente da empolgação por Camila.

As crianças correram.

- Tia! - gritavam repetidamente enquanto pulavam ao seu redor tentando ganhar completamente sua atenção.

Camila amava aqueles mini humanos. Eram tão inteligentes e amorosos, tão engraçados e rápidos, tão Lauren.

Barcelona - Short FicOnde histórias criam vida. Descubra agora