Li algumas palavras daquele livro de novo como tenho feito ultimamente, lendo sempre um pedaço para manter o fluxo. Exercitar. Então isso me deixou pensando.
Quis vir escrever, já faz um tempo desde a última vez. Não que eu tenha algo de interessante para ensinar ou dizer, mas talvez repassar.
A verdade é que eu não queria escrever hoje, não estava com vontade. Mas dei um puta jeito nas costas e foi assim: estava penteando os cabelos, olhando para o espelho e esperando alguns colegas chegarem para batermos papo furado, falar sobre o futuro, a vida e nada e relembrar piadas que ainda nos fazem rir, até sentir uma dor terrível tomar conta do lado esquerdo inteiro. Gritei de dor, pedi ajuda e chorei. Fazia anos que não chorava de dor.
Preciso parar de exercitar para exercitar. Mas fui ler. E isso me instigou a vir escrever sobre como a vida pode ser engraçada, de novo.
Não estou escrevendo em meu computador como gostaria, estou usando o que normalmente chamaria de "lata-velha". E é, mas não é. Li essa frase que me pegou: "O gato ter mijado no computador arrumou tudo." O gato mijou no meu computador, assim por dizer, então voltei para o que jamais usaria caso ainda tivesse o computador mijado. Desenterrei algo. Peguei o que ele chamaria de "velha máquina de escrever", agora estou deixando os acontecimentos desenrolarem enquanto penso em como foi engraçada a última semana.
Perdi alguns bens-materiais, como a gente sempre precisa perder de vez em quando para repensar no antigo, saudar com mais facilidade, abençoar o núcleo. Até coloquei este pequeno computador de teclado menor que minhas mãos em cima do outro, para parecer ainda mais como uma máquina grande de pouca utilidade. Tem utilidade se você for útil, mas nem sempre ser útil significa ter tudo. Veja só, estou reclamando outra vez. Vou perder mais alguma coisa, vou perder mais alguma coisa...
Meu irmão sentou-se aqui dias atrás, tentou ajudar. Saiu de sua máquina de quase 13 mil reais para se divertir em uma que não custou nem metade disso em sua época de fama (é engraçado como até os eletrônicos chegam ao fim de suas carreiras. "Sou importante para a empresa, sou importante para a empresa!") Não, você não é! Nem se pudesse voar, como os da atualidade fazem. Então, prosseguindo, ele veio me contar que se sentiu triste. Falou que estar mexendo com algo limitado o deixava feliz, pois não pensaria em fazer estas coisas com o outro e isso era demais — viver o que foi esquecido —, mas então voltou a se sentir frustrado com a pouca utilidade e regressou para a sua máquina de 13 mil reais. Disse-me então que continuou triste, pois poderia fazer tudo agora e isso o deixava frustrado.
Veja, estamos insatisfeitos com tudo e nada ao mesmo tempo! E quando perdemos algo de maior valor, nos submetemos ao pensamento ridículo de que teremos mais cuidado da próxima vez, mas nunca temos... É estúpido como as coisas funcionam. Mas uma coisa é certa: você sempre tem que perder algo para ganhar algo ou se perceber de algo. É assim que é. Estou ansiosa para saber o que me aguarda. Tenho algo em mente.
Não escrevia há tempos, mas queria escrever, capiche? Não sabia sobre o que escrever, então não escrevi. A dor nas costas foi uma desculpa, "Se é isso que você quer, então tome!", o universo reagiu. Ele sempre reage, de alguma forma.
A tela do computador piscou e reiniciou, quase perdi este progresso.
Ele está brincando comigo, sempre está...
Ainda agora, tenho muitas coisas para rabiscar, mas não sei por onde começo. A mente está cheia de coisas.
Estão soltando fogos, dia de São Jorge. Comendo baboseiras e digitando sobre a vida, penso: como é chegar no topo e estourar? É mentira, acabei de inventar esse pensamento. Pareceu bonito. As pessoas fazem isso o tempo todo, não é?
Isso aqui está uma merda. Estou falando nada com nada. Talvez eu apague, talvez não. Ainda quero rabiscar algo mais. Mais algumas linhas e chega, se não fica chato.
Tomei dois comprimidos para a dor, depois fumei um cigarro. Um deve ter cortado o efeito do outro. É como estar com uma mulher para esquecer a outra, nunca funciona. Uma auto sabotagem. "Mas o cigarro vai ajudar", é assim que pensamos. Machuque o pé e fume um cigarro, passará trinta por cento da dor. Machuque o coração e fume um cigarro, passará vinte por cento da dor. É o que achamos. Tudo psicológico, um voo adestrado. Funciona mais fumar duas mulheres e esquecer 30 cigarros, do que fumar 30 cigarros e esquecer duas mulheres.
Eu deveria parar de fumar, sou jovem demais. Mas não vou, não agora. Deixe que o destino faça isso, deixe o tempo me acertar. Não vai ser tarde de mais, nunca é. Talvez antes dos vinte e cinco. Ainda quero atuar, ainda quero cantar. O cigarro vai voltar em algum momento depois disso, e aí estarei livre.
Penso muito em mandar a imprensa se foder, deve ser demais: "Vá se foder, otário!" quando me pedirem para me submeter a algo. Penso muito sobre o que passa na cabeça de alguns artistas famosos, como se deixam levar? É tão estúpido. Então quero dizer o que tenho vontade de dizer. Vou mandá-los se foder se encherem meu saco de mais e que gostem de mim e que me paguem após isso! Dane-se que não, ainda vou ter a mim.
"Vão se foder, otários!" que demais. Admito, me acho corajosa em querer me meter nesse meio.
A dor está melhor do que estava há uma hora atrás. Ninguém veio, cancelaram. Anoiteceu. O dia acabou. Vou ver o que faço. O universo sempre encontra uma maneira de me manter longe das pessoas. Faz bem, às vezes. Talvez eu realmente precisasse escrever sobre esses dias loucos, outra desculpa. Dor certeira.
Tem uma garota que acho que realmente se importa comigo. Tento demonstrar o mesmo, mas sempre fracasso. Parece que é falso, forçado. Mas não é, não sei. Daqui a um tempo nos esqueceremos, sei disso. Ela não gosta de pensar assim e me sinto péssima por isso, mas não posso evitar, as coisas acabam, de qualquer jeito.
Sempre tem um gato para mijar em algum lugar.
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Le Bord
Poetry"Escrevo-me, escrevo-vos para que possamos, se houver alguma pequena chance, finalmente rirmos todos juntos, na borda do mundo, de toda essa palhaçada após apreciarmos um pouco a bela arte fodida que é viver antes do cruzamento."