Carta 01.

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Nantucket Island, ESTADOS UNIDOS.
12 de junho de 2014, quinta-feira.


Querida Francesca,

A priori, gostaria de começar desculpando-me por tê-la colocado em meio a toda esta confusão. Decerto, você não deveria fazer parte dela; no entanto, acabou embarcando neste desassossego quando aceitou ser a minha psicóloga.

Sinto muito que já não haja mais tempo para reverter a situação e sair dessa bagunça. Mas, honestamente? Você deveria cobrar mais caro pelas consultas semanais que temos... Seu tempo e sua paz valem um pouco mais, não acha? Ao menos, em troca, eu lhe forneço certo tipo de entretenimento, não?

Essa é uma bela vantagem de cursar psicologia, eu acredito. Você nunca fica realmente entediada enquanto está trabalhando.

Em todo caso, eu gostaria de tê-la ligado para dar a notícia de que estava vindo para Nantucket Island, Estados Unidos, em vez de ter simplesmente desaparecido pelos últimos seis dias. Enfim, nunca é tarde demais para dar um último aviso: essa será uma viagem de alguns meses – cuja duração ainda não posso afirmar com certeza, haja vista que nenhum dos envolvidos se dispôs a me revelar esse detalhe.

Caso houvesse acontecido de eu ter ligado para você, poderíamos ter remarcado nossas consultas e você poderia ter dado-me um último conselho; talvez uma lufada de coragem com sua voz sempre tão calma e terna, ou alguma palavra amiga que fosse me ajudar a enfrentar a figura física do meu pai – após dez anos sem o ver uma única vez.

Todavia, não foi isso o que aconteceu. Porque, obviamente, eu não liguei.

Eu acreditava convictamente que passaria os três próximos meses da mesma forma como passei todas as minhas outras férias de verão: intercalando entre os cômodos mofados da minha casa e a praça (caindo aos pedaços) que fica no mesmo quarteirão onde moro. Essa viagem não era de meu conhecimento até o último instante. Tudo realmente ocorreu muito célere na última sexta-feira, 06 de junho.

Fui despertado às 7 da manhã com os gritos vindos da minha mãe. Por alguma razão até então desconhecida, aqueles gritos estavam sendo direcionados a mim.

Eu estava ainda muito sonolento, meus cabelos tão bagunçados e embaraçados quanto o resto da minha vida e minha vista completamente embaçada. Foi coçando meus olhos e soltando um bocejo que passei a acompanhar os movimentos dela ao meu redor. Enquanto minha mãe abria meus armários e rapidamente retirava de lá duas malas, eu tentava entender o que estava acontecendo.

Mamãe estava vestida com um vestido curto, preto e brilhante, tão genérico quanto o seu batom vermelho borrado. Tudo ao seu redor exalava álcool barato e cigarros tragados entre goles, o que me deixava um pouco mais desnorteado e confuso. Não lhe perguntei onde ela havia passado a noite, evito fazer essa pergunta para o meu próprio bem, mas a realização de que ela esteve em uma casa de festa ou em um pub qualquer durante toda a madrugada apenas fez com que a culpa embrulhasse meu estômago.

Quase todas às vezes que eu a encaro consigo sentir essa mesma sensação, esse enjoo. Ela é tão jovem, tão linda. Aos 33, minha mãe possui a aparência mais juvenil que a maioria das adolescentes ao redor do mundo – talvez seja a presença do seu longo cabelo com cachos, na exata mesma cor que você tanto elogia os meus. Certamente, ela é mais disposta e popular que eu, ainda que eu seja 17 anos mais novo. Mas então, aqui está ela, desperdiçando seu tempo & pensão com doses de whisky white horse e maquiagens pesadas demais para sua pele pálida. Embora você, Francesca, já tenha me aconselhado a respeito desta minha reação em alguma de nossas consultas, eu nunca consigo realmente afastá-la por completo. É algo inerente, não posso mudar. Essa sensação cresce mais e mais todas as manhãs, quando eu observo Anne voltar cambaleando de algum pub mal frequentado com seus saltos exageradamente altos.

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