A princesa e a torre

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No ponto mais alto da Torre Singular, debruçada em seu próprio parapeito ela, a princesa, observava admirada a bela noite de lua cheia, o clima era ameno e a brisa carregava no ar um aroma floral.

Não cansava de admirar a vista, embora passasse boa parte olhando para o alto, todo o entorno era belo, ao fundo um bosque exuberante e se estendia diante de sua vista, o verde da mata se mesclava com o azul da noite compondo um pano de fundo harmônico, mais de perto via o  início da queda d'água, onde a água cristalina refletia a luz da noite para em seguida sumir em queda livre. O constante som da cascata estava sempre presente em seu dia a dia e lhe dava uma sensação única de tranquilidade. E nesse cenário ela gastava boa parte das noites ali fazendo planos dos mais diversos tipos e de todas as naturezas tendo as estrelas e a lua como confidentes. Pensava como seria seus dias de rainha, quantos filhos teria, com qual  nobre seu casamento seria realizado, ou como seria as feições de seu futuro marido. Não havia grande ansiedade ou excesso de idealizações, apenas uma branda, porém constante vontade de antecipar o futuro.

Quando se entediava daquelas ideias, ia com a lamparina para fora, colocava as pernas entre os vãos do parapeito e balançava os pés livremente enquanto se detinha com alguma leitura. Gostava de poesia, mas não havia tantos títulos disponíveis então por vezes contentava-se com os grandes volumes dos contos do passado, mas estes não a empolgava tanto pois considerava a escrita difícil e por vezes as metáforas lhe soavam por demais exageradas ou até mesmo irreais e quando não, falavam de assuntos de combate do qual realmente a entediava.

Ela portava um sorriso de contentamento em sua face, o olhar era suave e parecia que nada poderia tirá-la daquela serenidade. Se não se casasse certamente seria uma sacerdotisa, mas tal decisão não dependia dela, sendo filha única do rei, seu destino já estava determinado. E nem mesmo isso a incomodava, dava aquilo como certo e portanto lhe restava apenas dar o seu melhor. E por isso entenda-se que ela voluntariamente aceitou tornar-se cativa do alto da torre enquanto não surgisse um homem valoroso que a resgataria daquela condição e que seria fartamente recompensado e que possivelmente num futuro herdaria também o trono de todo o reino. E por isso ela apenas aguardava, no começo havia muita ansiedade envolvida a cada duelo que ela acompanhava das janelas do andar inferior da torre, mas três anos naquela rotina lhe ensinaram que a  paciência seria a melhor virtude a ser cultivada diante daquelas circunstâncias.

Vestia uma fina camisola de seda, com o seu longo cabelo loiro devidamente trançado, esperava apenas a chegada do sono para enfim deitar-se na cama e foi neste momento quando ouviu duas batidas suaves, ela envolveu-se num robe de tom azulado e com passos curtos foi até a porta e tratou de abri-la sem grandes cerimônias pois se não fosse uma das duas serviçais, o único que se colocaria ali em sua presença era o seu tio.

Este era um homem sério e por vezes impiedoso, espadachim de renome, mas que diante da amada sobrinha se via incapaz de contrariá-la e quase sempre acabava por atender os seus caprichos. E ali estava ele, homem alto e forte, de postura imponente que imediatamente sorriu ao abrir da porta.

— Querida Tasya, desculpe vir ao seu aposento tão tarde, mas ocorreu-me de que não havia lhe avisado a respeito do desafio de amanhã.

— Mais um, tio? Quem é desta vez? — perguntou ela com um sorriso ganhando contorno em sua face.

— Eu sabia que iria gostar da notícia, por isso não esperei pelo amanhecer.

— Para ser sincera eu não sei se fico muito animada. O senhor tem sido por demais severo com os meus pretendentes, não sobra um de pé após os duelos, acabo nutrindo pouca esperança de que um dia sairei daqui casada.

O homem gargalhou satisfeito com o que ouvira, limpou a garganta e após uma breve pausa disse:

— Não estou atrás do homem mais poderoso do mundo, mas admito que sou exigente nas questões relacionadas ao combate.

— Exigente demais! É sério, eu já tenho dezoito anos! Todas as princesas do reino já estavam casadas com a minha idade.

— Não há motivo para se apressar, além do mais as outras são princesas de feudos, você é a princesa de todo o reino.

Ela arqueou a sobrancelha esquerda num misto de orgulho e indignação. Ser a princesa do reino: aquilo parecia ser muito, mas ao mesmo tempo implicava em muitas privações.

— E então? Quem será o coitado desta vez?

— Virá de Pedra Negra.

— Terra do carvão?

E o homem concordou com a cabeça.

— Dizem que são homens cruéis em batalhas — disse a princesa com um ar receoso.

— Veremos — disse enquanto coçava a fina barba castanha bem aparada. — Agora durma, já abusei demais da sua atenção, princesa.

— A minha atenção está sempre a disposição do senhor de Cascadia.

Cascadia localizado imediatamente ao norte da capital, feudo aliado, seu senhor era o irmão do rei e numa época de intrigas e conspirações não seria o suficiente para garantir a lealdade a Capital, mas como foi estrategicamente poupado tanto nos efetivos quanto nas taxações, permaneceu como um dos poucos locais onde ainda residia relativa riqueza, além disso era favorecido por suas águas que eram boas, os peixes abundantes e os cavaleiros de seu reino famosos pela perseverança e fidelidade. Um local ainda agradável para viver diante de tudo que ocorrera.

Depois que a porta fechou, ela foi até a janela, olhou uma última vez para a noite estrelada, respirou fundo o ar da noite, fechou a cortina, tirou o robe e finalmente deitou. Repousou as mãos sobre o abdome e entrelaçou os dedos. O tempo passou, mas seus olhos castanhos ainda estavam abertos. Abertos e vidrados.


Espadas InconstantesOnde histórias criam vida. Descubra agora