"Quem te vê passar assim por mim..."

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O tempo passou quase que voando. Minha amizade com Jenna não mudou depois do beijo. As coisas continuaram do jeito de sempre, dei meu primeiro beijo na minha melhor amiga e pra isso era incrível. Com o tempo, meu pai ficou cada vez menos presente na minha vida, ele e minha mãe brigavam bastante, várias noites tive que ir dormir na casa da Jenna de última hora, porque de repente eles começavam a discutir e preferiam me deixar longe disso. Nessas noites dormidas na casa dela dormiamos num colchão na sala, porque os pais dela sabiam que iríamos conversar e ver TV, jogar baralho e ler HQ's. Mesmo quando tinha aula. Jenna tinha juízo o bastante para saber até que hora podia ficar acordada pra no outro dia não morrer de sono. Se eu parar pra pensar bem, dormiamos abraçadas algumas vezes, mas era tão... Normal na época que não registrei a sensação.

Meus pais se separaram quase dois meses depois que eu completei 12 anos. Eu fiquei triste no começo, ele me ligava toda noite para perguntar como foi meu dia. Mas... Conforme o tempo passou, ele deixou de ligar, e eu também deixei de me importar. Eu o via algumas poucas vezes, ele estava tão cheio de trabalho. Minha mãe, porém, fazia tudo por mim. A prova disso foi quando, lá nas férias de meio de ano de 2010, ela levou eu e Jenna para viajar. Fomos de carro, cantamos o caminho todo, aprendi a fazer nós de marinheiro, a cantar uma ou duas músicas em francês, aprendi a costurar. Jenna sabia de tantas coisas interessantes que eu nem sabia por onde começar a vasta lista de coisas que ela sabia fazer. Era mais fácil criar uma lista com os seus não-dons. Nessa viagem, também, que notei que talvez, apenas talvez, eu sentisse algo diferente por ela. Nós fomos até o Beto Carreiro.

Pedi para Jenna ir em todas as montanhas russas comigo, mesmo ela tendo medo. Ela tinha seus 14 anos, tinha dado uma espichada e era incrivelmente maior que eu, mas eu ainda iria crescer. Tinha cortado o cabelo, e os olhos pouco tinham daquele tom claro de antes. Mas o cheiro continuava. Esse nunca mudou. Fomos na maioria dos brinquedos que ela olhava e dizia "ah, mas não mesmo" porque ela simplesmente não sabia dizer não para mim. Comemos sorvete, batata frita, assistimos aos espetáculos. O dia no parque foi incrível. Passamos o dia todo lá e na volta para a pousada, dormimos no carro. Minha mãe havia pedido dois quartos, porque sabia que mesmo morrendo de sono, eu e Jenna não ficaríamos quieta. Resultado disso foi que eu e ela tínhamos uma cama de casal só pra gente.

Fizemos guerra de travesseiro, pulamos, cantando músicas do Camp Rock, vimos um filme de terror bizarro (eu quase não dormi aquela noite, mas Jenna me abraçou forte e jurou que sabia lutar contra aliens. Eu não duvidei). Ela parecia sempre estar preparada para tudo. Tocava mais instrumentos do que eu sabia o som, mas eu nunca a tinha visto pegar num violão, quem dirá no piano. Já a vi batucar os dedos nas mesas, como se fossem teclas, a delicadeza e firmeza que ela tinha era algo que me encantava. Acho que essa foi sempre minha interpretação por tudo que envolvia ela, encanto. Eu me via encantada nos olhos, nas mãos, no cabelo, no jeito que ela balançava a cabeça e como dançava as músicas que mais gostava. Lembro como se fosse ontem a primeira vez que a ouvi cantar de verdade. Foi em um dos dias que eu dormi na casa dela, ela cantarolava no banho. Eram trechos tão soltos que se ela dissesse que inventou, eu acreditaria. Ela me apresentou algo diferente do que eu ouvia na rádio. Apurei o ouvido na porta do banheiro.

- Sambinha bom.... — Ela disse, parecia feliz, parecia uma música tão calma.

Ela tinha disso. No fundo não gostava de rock, mpb ou indie, ela era apaixonada por música. Música boa, que fazia o coração dela sair do peito, de dançar descalça no quarto, de balançar a cabeça, de... de sair da realidade. As vezes acho que Jenna entrava em um mundo mágico toda vez que se conectava com algo que gostava de verdade. Quando ela saiu do banho, pedi para ela tocar aquela música para mim. Eu nunca havia pedido para ela tocar para mim, mas eu realmente tomei coragem e ela sorriu e concordou, pegando o violão e sentando na cama, sorrindo pra mim com aquele sorriso de sempre.

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