Mãos arrancavam papeis de parede velhos de um dos lados do quarto, revelando uma parede cor de musgo, era pálida e sem graça. Assim como eu. Pensou Laura. Havia se mudado recentemente para aquela casa velha e não imaginava o trabalho que teria de reformá-la. Enquanto terminava de rasgar os últimos pedaços de papel e praguejava por comprar aquela velharia, ouviu um som abafado atrás de si. Ratos. Era o que faltava agora! Me livrei de um para encontar um ninho deles; só que menos nojento do que o que fora casada por sete anos.
Levantou-se esticando as costas e encarou o lençol branco que cobria um monte de caixas de papelão do antigo dono que ainda não se deu o trabalho de buscar as suas velharias. Era noite e a lua brilhava fortemente, mais do que à lâmpada amarela sob sua cabeça. Foi até o amontando já colocando o braço direito à frente do nariz, à poeira não era pouca; com a mão direita, os dedos em forma de alicate, puxou o lençol, à terra imediatamente lhe atingiu os olhos e a mesma cambaleou pra trás.
- Merda! - exclamou.
Piscou algumas vezes para dispersar à poeira, com os olhos lacrimejando, olhou para as caixas, mas havia algo além delas, coberto por outro lençol. Estranhou, mas não se importou muito até ouvir mais ruídos, com uma raiva que lhe subiu a garganta, chutou o amontoado de caixas, as espalhando pelo quarto lúgubre. Porém nenhum rato saiu de lá, só poeira e pernilongos. Então, ouviu o ruído outra vez. Só pode ser brincadeira! Praguejou. Só faltava ter ratos nas paredes!
Sem cerimônia, afastou as caixas, agarrou o pano branco e o puxou, revelando um espelho rachado que pendia sob à parede florida. Seus olhos encaravam-na frustrados no reflexo. Espero não ter sido eu quem quebrou, mais uma maldição e eu poderia me tornar a protagonista de uma fantasia clichê. Pensou ela.
Foi a passos lentos até o espelho, encarou-o. Depois de sete anos com um rato, foi isso que restara; uma mulher de 31 com pequenas mechas brancas e um monte de rugas de estresse.
De repente outro ruído se fez ser ouvido, virou-se de supetão, no entanto só encontrou mais sujeira. Outros ruídos vieram atrás dela, virou-se outra vez, viu o espelho tremular como à água de um lago ao ter sua solidão perturbada. Ela o encarou, os olhos arregalados, à garganta lhe faltando saliva. Agora venderei a casa e me internarei num sanatório.
Quando enfim o espelho parou de se mexer, seu reflexo a encarava entediada, mas na verdade não era ela. Tinha a sua aparência, mas não era nada como ela; os cabelos eram longos e vermelhos, diferente do seu que era preto, a mulher do reflexo se vestia como uma dondoca, diferente dela que estava aos trapos. O último banho fora pela manhã, quando enfim ligaram à tubulação.
- Só faltava você para se juntar ao clube. - comentou a mulher do outro lado.
- O q... que é você? - inquiriu sem fôlego.
- Laura Alencar, como você. - respondeu. - E vejamos, só faltava você pra se juntar ao grupo das Lauras divorciados e amargas.
- Como? - perguntou. Não poderia estar escutando bem. Na verdade estava louca! Falando com o próprio reflexo; estava no fundo do solo do fundo do poço.
A mulher de cabelos vermelhos suspirou entediada, teria que explicar aquilo mais uma vez, já sabia o discurso de cor.
- Você é a Laura da terra 365 e eu a da 573. - a mulher revirou os olhos e continuou. - Bom, todas as Lauras carregam uma maldição. Basicamente, são destinadas a ficarem amargas, solteironas e de cabelos brancos antes do tempo. - a mulher olhou as unhas, avaliando-as. - E o mais importante, comprar essa caixa velha de madeira.
- Mas que porr...
À ruiva a cortou.
- Agora, em vez de ficar chutando caixas e se lamentando dessa porcaria de vida, você vai vir comigo e resolver essa merda toda. - anunciou. - E pra isso, precisávamos que todas nós chegássemos a esse ponto. E só faltava você.
Laura piscou atônita, tentando encontrar as palavras certas para responder àquela loucura que lhe fora contada em palavras secas como à poeira que engolira antes.
- Mas... mas... - gaguejou. - Como?
- Se aproxime. - ordenou. - Irei lhe mostrar.
Hesitando, Laura aproximou-se do espelho rachado, encarando a outra versão de si mesma nos olhos. Parou em frente a ele e ergueu a mão, colocando a sob à superfície. No rosto da Laura de cabelos vermelhos se formou um sorriso de deboche, como se deliciasse com a confusão da outra; sua mão saiu em garras do espelho e a puxou para dentro. Deixando o quarto velho sozinho e solitário na escuridão da noite.
![](https://img.wattpad.com/cover/341024326-288-k147139.jpg)