Falemos um pouco da minha vida.
Acho importante falar um pouco sobre tal e meus hábitos pois serei o personagem que irá os guiar, caríssimo leitor, por toda essa história - além de fazer parte dela.
Desde de que me lembro, minha rotina sempre permanecera a mesma. O cotidiana de 1903 não mudara muito dos anos anteriores, e já digo que nem mudaria para a dos anos que iriam a vir, e por isso acho importante contá-la aqui e ganhar do leitor um pouco da sua afinidade, tornando-nos assim íntimos e estabelecendo uma relação; essa relação tão especial que é feita entre o autor e o leitor ao decorrer de um livro.
Tudo começava às 7 horas da manhã, todas as manhãs, quando o meu velho valet, o um pouco corcunda Kolesnikov, abria as cortinas do meu quarto e dizia: "Bom dia, Sua Alteza Imperial. São 7 horas da manhã em ponto. Está fazendo um dia adorável lá fora". Ele sempre falava essas mesmas palavras, e mesmo se não estivesse fazendo uma manhã adorável lá fora, ele as repetia mesmo assim.
Kolesnikov era um sujeito muito bom. Ele tinha uma cabeça muito cheirosa, pois usava uma loção muito boa, e já lhes digo que ele era o único que me ouvia falar sobre aquelas coisas históricas que ninguém se importava e só eu sabia. A história sempre fora minha matéria favorita e eu gostava muito de ler os artigos sobre a vida na Roma Antiga ou de comprar livros sobre as incríveis e fascinantes batalhas de Joana D'Arc na Guerra dos Cem Anos. Sabia a data de nascimento de muitos dos imperadores romanos e muitos incidentes engraçados no governo de Catarina a Grande; e por isso, contava-os para Kolesnikov. Ele me ouvia com atenção, e parecia realmente interessado! Contava-as enquanto ele me ajudava a vestir o uniforme e as botas da infantaria, e recordo-me que ele sempre ficava com os óculos na ponta do nariz e a boca meio-aberta enquanto me vestia. Era um pouco engraçado.
Naquela época, eu ainda era General Adjuntante da Infantaria; e posso contar nos dedos quantas vezes eu não usei o uniforme. Como poderia me esquecer daquele uniforme? Era um cinza, com calças retas escuras, um quepe e botas pretas esmaltadas, e realmente acredito que somente não o vesti umas 8 ou 9 vezes, e somente quando eu estava doente e ficava de cama, usando meu roupão.
Falando em doença, devo-lhes também os informar que sempre fui uma pessoa muito doente, desde de pequeno, e vivia cheio de problemas nos rins, nos pulmões e no coração, ficando de tempos em tempos doente e viajando para ares mais frescos ao sul da Europa. Dei trabalho para muitos médicos, que ficavam constantemente no Mármore para averiguar a minha saúde e me recomendar algum exercício. Admito também que minha esposa também me ajudava, colocando um pano molhado na minha testa para baixar a febre ou pedindo que me preparassem mingau.
Mas pois bem. Eu, antes de sair do quarto, sempre pegava os charutos, os fósforos e o relógio; e depois de tantos anos pegando-os do mesmo lugar e os colocando no bolso para sair logo correndo. Sempre tive pernas grandes e ligeiras - e as pessoas sempre reclamavam dizendo que eu sempre estava correndo.
Depois de já estar todo arrumado, ia para a sala de orações fazer as rezas da manhã - uma prática que mamãe sempre fazia e me ensinara a fazer também todos os dias -, e logo depois, para a minha pequena salinha amarela, que era adorável, e ficava no primeiro andar do palácio. Eu adorava a minha salinha! Ela tinha cortinas amarelo-ouro, algumas poltronas forradas que eram amarelas também, um tapete grande branco e florido e uma vista graciosa de fora. Tomava lá o meu "desjejum", que era apenas duas xícara de café e uma torrada com geleia, e antes das 8 e meia eu já terminava.
Claro, tinha ainda um tempinho de ler o jornal, e quando o terminva, tirava as pequenas migalhas que haviam caído no uniforme, saia daquela salinha e pedia para meu valet chamar as crianças.
Todas vinham com suas babás, dando-me logo um beijo na bochecha e pedindo a benção. Eu as adorava cheirar no pescoço - pois tinham um cheiro agradável de morango. Era lindo ver todas ainda com o rostinho inchado de quem tinha acabado de acordar, as camisolas longas e os cabelos todos bagunçados e em pé. Meus filhos nunca foram feios! Eu fiz um ótimo trabalho, modestia a parte. Entretanto, infelizmente, era muito pouco tempo que eu ficava com elas naquela meia horinha da manhã. O bater chato do relógio ordenava-me que devia partir imediatamente: "Vamos, levanta-te. É hora de trabalhar!", ele dizia.
Não havia como não lhe obedecer, acatava-lhe suas ordens e logo partia do Mármore. Saía de lá em nossa carruagem azul-escura, conduzida por nosso cocheiro inglês, Thomas. Era um jovem engraçado, que parecia mais irlandês do que inglês, com seu cabelo ruivo como o fogo, que mal falava uma palavra em russo e tinha a língua presa. Conversava em inglês com ele, para não confundir-lhe a cabecinha, e ele respondia com um "Yes, Your Imperial Highness", feito com uma pronúncia tão engraçada.
Mas a verdade é que mal precisava falar uma palavra com Thomas para onde nós iríamos, pois ele já sabia para onde me levar e quando me levar. Aprendera a rota de cor, e ele podia fazê-la de olhos fechados se bem quisesse.
Com minha cabeça encostada na janela, olhando as mesmas árvores ou uma ou outra pessoa que passava, a única graça que restava lá era descansar os olhos; mas nunca me acostumara a dormir ainda com o Sol à vista. Havia de ter deveres com a infantaria que deveriam ser cumpridos todos os dias.
Eu tinha um assistente, o capitão Antchutin, que havia de me falar quais eram minhas obrigações que tinha naquele dia; mas ao certo, nunca entendi sua função, pois já havia decorado meus encargos por conta própria. Ele ficava me perseguindo de um lado para um outro como um louco, com a prancheta na mão. Algumas vezes eu fugia dele por diversão.
Eis aqui meu etinerário: às segundas, quartas e domingos, tinha o dever com os estabelecimentos da infantaria.
Logo cedo, carecia de me fazer presente na Diretoria Principal, que era sempre retida por inúmeros generais e outros membros importantes da infantaria, sempre às 10 horas da manhã. Devia de ter reuniões com estes, a qual eram discutidos as exigências do Ministro da Guerra (a qual recebia dele relatórios todas as quintas), as escolhas de novos candidatos a postos no exército, recepções com embaixadores e outras coisas similares. Os relatórios eram lidos logo depois, e alguns chegavam a ter mais de 200 páginas! Perguntava-me: esses sujeitos não tem nenhuma diversão?
Passava a maior parte da manhã no Escritório Central, onde a escrivaninha sempre estava cheia de papéis, que necessitavam serem lidos e analisados cuidadosamente, feitos um por um. Estou me esforçando em me lembrar de algum dia que aquela escrivaninha havia estado menos cheia, mas creio que nunca houve esse dia. Entre pequenas reuniões com peticionários e mais leituras de notas e respostas, descansava um pouco a vista no bater das 12 hora da manhã, quando deveria pausar para o café-da-manhã, que não toamava, e era apenas uma extensão da mesma reunião que havia tido a 2 horas atrás. Os generais e coronéis da diretoria se esbanjavam na mesa de batatas cozidas, presunto assados, ovos escalfados, refogados, grelhados, geleias e por último, uma xícara de café. Eu já estava muito bem servido com o meu café da manhã, e para não me fazer de mal educado, pegava mais um pão com geleia.
Naquelas mesmas quartas da infantaria, logo no começo da tarde, tinha responsabilidades com a Academia Imperial de Ciências, e que havia de ter outras reuniões, mas essas eram com poetas, escritores, músicos e estudiosos da história e da ciência, as quais falávamos sobre medidas restritivas contra a censura para a escrita científica, o financiamento de viagens para arqueólogos e entre outros.
Posso aqui dizer, que não via com maus olhos meus compromissos à Academia. Não, certamente. Ao fundo, sentia como um grande orgulho de ocupar um cargo tão grande como Presidente. Ficava no meio de artísticas de grandes nomes, e que tinham uma admiração a mim quanto eu tinha para eles. Sim, eu era um poeta! Bem, considerava-me um. Meus pequenos poemas e sonetos - que nunca achava-os bons o suficiente - fizeram-me com que ganhasse tal posto, e se pudesse, poderia continuar este trabalho de poeta amador por toda a eternidade, sem que minha mão cansasse de tanto escrever, como faço agora neste papel.
Porém, tal bobagem não passava de um sonho. Devo-lhes explicar as incumbências de carregar o sobrenome "Romanov". Nunca quis o carregar, e certas vezes, quando ainda era mais jovem, perguntava-me aos céus por que me Fizera nascer lá. Digo-lhes que nunca vira graça no exército, e nunca me fascinara ou ganhara meu apreço. Mas não pense que adiantava implorar para mamãe ou para papai, isso estava superior do que seus poderes. Como um homem da família imperial, desde do dia quem vim parar aqui, na Rússia, eu já estava destinado a seguir a carreira militar. Não importava se fosse pelo mar ou pela terra, mas deveria usar o uniforme. Papai dizia-me: "Lembre-se do nome que carrega".
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As Confissões de Konstantin Konstantinovich
RomanceAtravés de uma visão do velho mundo da Rússia Imperial do começo do século XX, embarcaremos na fascinante história do Grão-Duque Konstantin Konstantinovich, um importante membro da Família Imperial Russa. Sendo um homem casado e pai de uma vasta fam...