A presa e o caçador

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Arion caminhava na minha direção com a mesma destreza de um felino selvagem. Me atrevo a dizer, inclusive, que suas belas íris cor âmbar eram tão ferozes quanto as de um leopardo faminto. Meus olhos seguiam involuntariamente cada movimento realizado por ele, completamente fascinados com o magnetismo que o futuro imperador possuía. É difícil de definir até mesmo o que havia de mais impressionante nele; não sei se eram os ombros largos, o corpo robusto ou os lábios irresistivelmente avermelhados. Eu deveria saber melhor que ninguém que existem os dias do caçador e os dias da presa. Agora, no entanto, imagino que seja tarde demais para voltar atrás.
Sinto como se tivesse sido apanhada por uma armadilha.
Meu corpo estremece da cabeça aos pés e a minha mente divaga quando Arion me encurrala contra a mesa. Quando ele se inclina na minha direção, transformando os centímetros de distância que haviam entre nós em meros milímetros, concluo que seu corpo é tão robusto quanto aparentava ser.

— A sua língua parece afiada, princesa. — Ele afirmou com um meio sorriso. — Não teme que eu a corte?

— Depende de como pretende arrancá-la de mim. — Minha resposta soou tão ousada quanto a pergunta que ele havia feito.

— A minha futura imperatriz realmente não teme ninguém. Nem a mim mesmo. — O riso dele rompeu a atmosfera densa que pairava sobre nós.

Arion descansou a palma da mão esquerda gentilmente sobre uma das maçãs do meu rosto. E apesar de ser superficial, seu toque aqueceu o que havia de mais profundo dentro de mim. Felizmente, a lembrança do que havia me levado até ele me acordou a tempo de não cair em seus truques.
Envolvi meus braços ao redor do pescoço dele como se fosse uma serpente astuta prestes a dar o golpe final. Aquela era a oportunidade perfeita para conquistá-lo, não poderia sequer pensar em perdê-la. Então, quando nossos olhares se cruzaram novamente, tratei de tomar os lábios dele avidamente. Para a minha surpresa e êxito, ele correspondeu. Os lábios dele desfrutaram dos meus como se estivessem provando seu vinho favorito.

— Você não vai querer arrancar a minha língua depois de conhecer as coisas que ela pode fazer, vossa alteza. —  Ao separar nossos lábios, confessei com um tom de voz baixo e suave para que somente ele ouvisse.

O desejo visível em seu rosto me deu a certeza de que por mais que ele fosse um homem importante e cheio de desconfiança eu ainda poderia colocá-lo facilmente na palma da minha mão. Só era preciso alguns movimentos da minha parte.

— Prove que não são apenas palavras. — Arion desafiou.
— Uma dança e eu te mostrarei.
— Como desejar, minha dama.

Os belos lábios carnudos que tanto havia desejado, antes adornados por um sorriso diabólico, agora exibiam a cor vívida do batom que haviam roubado dos meus. Aquele era apenas o início. Quando menos esperasse, Arion Alcott, o herdeiro orgulhoso do primeiro maior império, estaria nas minhas mãos. Assim como ela havia me pedido.
Para o meu desgosto e atraso dos meus planos, Arion precisou separar-se de mim assim que pisamos os pés no salão. E embora estivesse desapontada com a situação, tinha consciência de que precisaria me acostumar com aquela rotina exorbitante. Todo imperador ou sucessor tem como prioridade zelar pelo crescimento do império. Com Arion a prioridade não  poderia ser diferente.
Meus olhos se perderam nos casais que dançavam alegremente no centro do salão. Cruzei os braços abaixo do peito involuntariamente, me perguntando em pensamento se em algum momento da minha vida eu iria poder desfrutar de um sentimento puro e genuíno. Vivi com uma máscara toda a minha vida. Escondida atrás de segredos e mentiras que nunca poderiam ser perdoadas ou compreendidas. Agora, aos quase dezenove anos, eu estou em uma corrida contra o tempo para salvar a minha vida.

— Me pergunto o que pode ser  preocupante ao ponto de deixá-la com uma expressão tão vazia no rosto, senhorita.

Uma voz masculina grave, cujo dono desconheço, surge inesperadamente e me puxa para fora dos meus devaneios. Ao virar-me na direção de onde vinha a voz, encontrei o par de olhos intensos que estavam me observando do outro lado do salão mais cedo.

— Bobagens que toda jovem senhorita pensa, senhor.

Minha resposta soou mais ingênua e despreparada do que eu gostaria. O sorriso dócil nos lábios finos daquele homem, somados ao brilho enigmático em suas íris e os fios loiros que tocavam seus ombros elegantemente confundiram a minha mente de uma maneira que eu nunca achei que seria possível.

— Talvez seja por falta de um bom vinho, minha senhorita. — Ele argumentou. Os dedos esguios e pálidos dele me ofereceram a taça que tinha em mãos. E eu aceitei.

— Talvez tenha razão. Mas só talvez. — Retruquei com um sorriso divertido.

Minhas mãos agarraram a taça prateada antes mesmo que eu pudesse considerar os riscos. Afinal, não sou uma mulher solteira para aceitar vinho de qualquer homem despreocupadamente. Estou prometida a um príncipe cuja personalidade é muito imprevisível e difícil de se lidar.

— Não está envenenada, se é o que te preocupa. — A diversão com que ele pronuncia estas palavras me diz que essa é uma provocação muito audaciosa.

— Eu beberia desta taça ainda que o vinho estivesse envenenado. — Dito isto, eu mergulho meus lábios na borda da taça e cedo ao prazer de experimentar daquele fruto proibido.

O homem me observa por longos e deliciosos minutos, parecendo gostar de como eu reagi a sua tentativa de me alfinetar.

— Eu sou Dellian Ambrose, minha dama. General do segundo império italiano. — Ele faz uma curta reverência após se apresentar, aguçando meu interesse.

— Ambrose, você diz? — Ele acenou solenemente. — É um prazer imenso conhecer aquele cuja espada trouxe inúmeras vitórias para minha terra natal.

Dellian Ambrose é o nome do talentoso soldado que derrotou todos os inimigos do império italiano. As pessoas costumam colocá-lo em um pedestal como se fosse um anjo enviado por Deus. Vendo-o de perto agora, posso entender porque o batizaram como "O anjo favorito de Deus". O longo cabelo loiro, a pele pálida e os lindos olhos azuis claros o tornam perfeito para este apelido.
Cheguei muito perto de questionar a ele o porquê de estar fora do nosso território, mas então lembrei que o império italiano está negociando um possível tratado de paz com o império Alcott. Dellian provavelmente é o mensageiro da paz que foi enviado pela imperatriz. É muito conveniente ter aqui o homem que destruiu todos os inimigos anteriores do império italiano, pensei. Mas não acredito que Arion Alcott perderia em uma luta. E muito menos em uma guerra. Se esse fosse o caso, a imperatriz não teria me pedido pessoalmente para que eu mesma o matasse na nossa noite de núpcias. A verdade é que a existência de Arion por si só já é uma enorme ameaça para mim, para minha terra natal e o meu povo.





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