Entre desejos e ilusões

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O baile foi encerrado com uma declaração de amor falsa e um coração cheio de pensamentos conflituosos. O afeto que vi nos olhos de Arion enquanto dançavamos não era algo real, nem tampouco verdadeiro. Tanto eu quanto ele não passávamos de simples marionetes, éramos os dois reféns da vontade de terceiros. Não possuíamos poder de escolha ou de decisão. E, apesar de estar ciente de tudo isso, ainda assim eu me apegava a uma frágil esperança que não deveria existir. Havia um lado meu do qual eu não me orgulhava; um lado imaturo e ingênuo que ansiava desesperadamente por algo real. Por algo que fizesse com que eu me sentisse viva mais uma vez.

Fiquei ao lado de Arion até que todos os convidados fossem embora. Usei o sorriso mais dócil e as palavras mais gentis que se pode dizer para me despedir de cada um deles, ciente de que o fim daquela fantasia estava muito próximo. Vi o salão barulhento e movimentado se tornar, pouco a pouco, um lugar tranquilo e silente. Eu não pensava que sentiria falta da música ou do som das vozes até que o salão ficou completamente vazio. Havia me esquecido de que o silêncio, quando absoluto, torna a nossa mente uma prisão.

— Onde está a mulher audaciosa que me desafiou no escritório algumas horas atrás? — Arion questiona com um tom irônico. Ele faz essa pergunta com a intenção óbvia de me provocar, mas ainda assim eu o agradeço mentalmente por usar sua voz irritantemente atraente para afastar os pensamentos sombrios que pertubavam minha mente.

— Por que pergunta, vossa alteza? Por acaso se apaixonou por ela? — Percebo que a minha resposta pouco cautelosa o diverte muito mais que a taça de vinho que tem em mãos e sorrio. — Não me provoque quando estou tão bem comportada.

Arion deixa a taça sobre a mesa mais próxima de nós pouco antes de inclinar o corpo na direção do meu. Ele volta a me observar com aquele mesmo olhar enigmático de antes e eu admito que resistir a sua beleza felina será o meu maior problema.

— Com apaixonado você quer dizer completamente rendido ao desejo de beijá-la até o amanhecer? — O tom que ele usa para pronunciar estas palavras torna a pergunta ainda mais chocante. Eu busco em minha mente desesperadamente por uma resposta capaz de refutá-lo, mas ele não me dá tempo suficiente para encontrar uma boa o bastante. — Ou você quer dizer completamente cego pela vontade irracional de folhear o seu corpo como se ele fosse as páginas do meu livro favorito? Pode responder isso, Beatrice? — Arion é tão certeiro quanto uma flecha. Cada palavra dita por ele parece atingir com exata precisão os pontos mais sensíveis que existem em mim, fazendo com que toda a minha confiança e estabilidade desabem.

Eu tento colocar distância entre nós para minha própria segurança, mas Arion me impede. Ele segura o meu queixo com uma delicadeza tão impressionante que, por um breve momento, eu me pergunto se ele não está na verdade usando uma pluma para me tocar e não os próprios dedos. O controle que ele demonstra ter sobre mim e com qual conduz o momento me desarma por completo. Caio na armadilha dele tão facilmente que parece que estou me deitando intencionalmente nela.

— Quando minhas mãos estiverem sobre você, não tente fugir. Elas são o melhor lugar para você estar, minha querida. — Arion usa o polegar para contornar o desenho dos meus lábios. Suas palavras e toques quentes mergulham o meu corpo em um mar de chamas. Quando os lábios nefastos dele vem na direção dos meus eu nem sequer penso em resistir, muito pelo contrário; eu espero ansiosamente pelo beijo. Mas isso não acontece. Ao invés de me beijar, ele apenas aprisiona meu lábio inferior entre os dentes e o puxa devagar logo em seguida, mostrando que brincar comigo era o seu plano desde o início.

— Oh, céus. O que estou fazendo? Não posso tratar a mulher que estará ao meu lado durante toda a vida desta forma, certo, Beatrice? — Ele faz questão de relembrar parte das palavras ditas por mim no escritório, deixando claro que esta é a sua vingança. —  A senhorita terá que esperar pela noite de núpcias para descobrir se estou apaixonado ou não. — Ele sussurra com um meio sorriso. Sua voz é tão sedutora quanto cruel.

Eu condeno a minha alma ao inferno de tanto o amaldiçoar em minha mente. Não consigo acreditar no que acabou de acontecer e nem aceitar que ele vença no meu próprio jogo.

Arion Alcott, eu o farei cair de joelhos bem diante de mim, espere e verá. — A minha ameaça não o assusta, nem tampouco o convence de que sou capaz de vencê-lo. Exaltada demais para manter uma conversa ou olhá-lo nos olhos, eu caminho em direção às escadas e o deixo para trás, incapaz de definir o que é mais inacreditável; se é o fato de ter sido enganada por ele ou o fato de ter ficado desapontada por não ter recebido aquele beijo.

Arion caminha atrás de mim com uma alegria que envenena a minha alma. O caminho até o meu quarto se torna longo e insuportável por causa dele, uma vez que ele usa como pretexto para continuar me perturbando o seu dever como futuro marido de me escoltar até os meus aposentos e se certificar de que irei descansar em segurança. Contra minha vontade, eu agradeço a ele pela companhia e desejo uma boa noite. Lamento em silêncio por não ter poder o suficiente para mandá-lo ao inferno, me contentando em fazer isso apenas em minha imaginação.

Graças a ajuda de algumas servas que com certeza irei favorecer no futuro, desfruto de um banho relaxante e de uma boa refeição que reparam o meu humor. Dispenso todas elas assim que termino de me aprontar para dormir, ainda me recusando a pensar em Arion ou no que aconteceu entre nós. Por sorte, a maciez do colchão e o calor dos lençóis me fizeram adormecer rapidamente, impedindo que eu chegasse ao ponto de enlouquecer.

Beatrice. — Uma voz familiar sussurra docemente em meu ouvido, interrompendo o meu descanso. Eu acordo imediatamente e procuro pelo dono daquela voz, mas não há ninguém no quarto além de mim. Confusa, me sento sobre a cama e esfrego os olhos com o dorso das mãos, tentando entender o que acabou de acontecer.

Eu estou aqui, Beatrice. — A voz rouca volta a me chamar da escuridão, atiçando os meus sentidos. Meus olhos percorrem todo quarto até finalmente encontrá-lo.

— O que você... — Dellian coloca o indicador sobre os meus lábios, me impedindo de continuar. Seus lindos e angelicais olhos azuis brilham como os olhos de um lobo faminto na escuridão.

As mãos fortes dele me seguram pelos ombros e empurram o meu corpo devagar, fazendo com que eu deite novamente sobre colchão. Um sorriso suave adorna os lábios dele enquanto ele retira a própria camisa, revelando um corpo que só pode ter sido esculpido pelos anjos mais talentosos do universo. Dellian não diz nenhuma palavra, apenas se ajoelha aos pés da cama e segura as minhas pernas, colocando-as em cima de seus ombros largos e firmes como rochas logo depois. Ele traceja um caminho com a língua que somente ele mesmo poderia trilhar. Dellian beija desde os meus tornozelos até a parte interna das minhas coxas, me levando ao delírio em segundos. Eu agarro os lençóis da cama e os meus sentidos oscilam. Imaginar o calor daqueles lábios, do hálito refrescante e da língua macia dele, todos concentrados em um único lugar fez com que meu corpo estremecesse da cabeça aos pés. Porém, para o meu desgosto e confusão, a minha visão foi gradualmente escurecendo, até eu perder a consciência. Quando finalmente consegui abrir os olhos novamente, Dellian já não estava mais comigo, apenas a sensação dos seus lábios quentes deslizando sobre minha pele. E, devido esse sonho inusitado, eu passei a me questionar o que era desejo e o que era ilusão.










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⏰ Última atualização: May 20, 2023 ⏰

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