A melodia simplória da orquestra unia-se ao som dos passos dos convidados na missão quase impossível de preencher o vazio do imenso salão. Os lustres luxuosos posicionados estrategicamente no teto, por sua vez, seduziam os meus olhos com toda sua extravagância e magnitude. O palácio da família imperial Alcott era, de fato, tão imponente quanto diziam os rumores. O majestoso banquete oferecido pelo príncipe herdeiro, Arion Alcott, aos seus mais fiéis aliados, era uma prova disso.
A mesa era grande o bastante para receber todas as famílias pobres e miseráveis de minha terra natal, tão farta que, se os alimentos sobre ela fossem oferecidos aos cavalos dos estábulos reais, eles passariam o restante do ano sem nem ao menos conseguir colocar um alfinete entre os dentes. Esse era o tipo de evento que me colocava em alerta, pois toda aquela riqueza sendo esbanjada bem diante de mim não poderia ser fruto de imprudência ou egoísmo, mas, sim, uma mensagem clara de poder e liderança, visto que a família Alcott era tão impetuosa quanto afortunada.
Por mais que estivesse cheio de regalias e riquezas do chão ao teto, aquele salão permanecia vazio aos meus olhos, uma vez que ele não me proporcionava o mais importante; o sentimento de pertencer. Das árvores que cresciam na floresta às pessoas que circulavam pelas ruas, meu corpo rejeitava inconscientemente aquele país por inteiro. Talvez, se eu não estivesse presa a um segredo que coloca a minha vida em perigo, eu pudesse desfrutar tranquilamente da cerimônia do meu noivado. Porém, isso está muito distante da minha verdadeira realidade.
Completamente exausta da longa viagem que precisei enfrentar e cansada de sorrir para os mesmos rostos desconhecidos, eu decido me retirar do salão para ir aos meus aposentos. No entanto, antes mesmo que eu pudesse realizar meus planos, um par de olhos sisudos capturam os meus como uma armadilha. Separado de mim por uma multidão de pessoas, do outro lado do salão, um homem cuja identidade eu desconheço me observa. Seus olhos inexpressivos, mas ousados na maneira de me olhar parecem queimar a minha pele como fogo. Como em uma fábula onde o lobo se prepara para atacar a ovelha, ele caminha em minha direção devagar. Enquanto meu olhar seguia seus passos firmes o mundo que até então estava a minha volta desapareceu completamente. Já não existe espaço, tempo ou fenômeno da natureza que convença os meus sentidos de que não se trata de um sonho. Existe apenas um coração inquieto batendo contra o meu peito dolorosamente ansioso.
Felizmente ou não, o encanto do momento é quebrado por um toque quente em meu antebraço. Eu viro o rosto para descobrir quem se atreveu a me tocar tão imprudentemente e encontro os olhos astutos de Arion, meu noivo.— Preciso que venha comigo. — a voz penetrante dele me fez entender que não se tratava de um pedido, mas sim de um comando.
Deixo o salão junto de Arion, incapaz de apagar a memória que tenho do rosto daquele homem da minha mente. E, apesar de saber que não poderei vê-lo novamente, sinto crescer dentro de mim um grande desejo de encontrá-lo outra vez. Agora, distantes do salão festivo e dos convidados despreocupados, eu e o herdeiro do trono trocamos olhares cautelosos em seu escritório. Durante o caminho até o gabinete privado dele, cogitei alguns assuntos dos quais ele poderia querer tratar. Porém, as palavras que foram proferidas por ele me surpreenderam mesmo assim.
— Quem a mandou aqui? — Ele questionou casualmente enquanto se sentava em sua cadeira luxuosa.
— Ora, quem além de meu pai poderia fazê-lo, vossa alteza? — Respondi no mesmo instante, ainda incrédula com a pergunta.
Não houve uma resposta da parte dele. Ao invés de me responder, ele ergueu uma sobrancelha e esboçou um pequeno sorriso sarcástico. Naquele momento eu me dei conta de que Arion não queria uma resposta de sua noiva, Beatrice Lancellotti, e sim um depoimento de um traidor em potencial, que estava disfarçado de presente e que foi enviado pelo povo inimigo. Reduzi a distância que parecia crescer entre nós e percorri a ponta dos meus dedos pelos detalhes entalhados na mesa de madeira. Aquela seria uma noite difícil, pensei.
— Arion Alcott, meu noivo, estou prometida a você desde meus seis anos de idade. — Fiz uma ligeira pausa, selecionei as palavras que iria dizer em seguida com cautela e então continuei com meu discurso. — Não acha grosseiro agir de tal maneira com a mulher que estará dormindo ao seu lado até o fim de sua vida?
Novamente, não houve uma resposta. Apenas um olhar solene que acompanhava os meus movimentos sem nenhuma expressão aparente. Sem sombra de dúvidas, Arion era um homem muito resistente e bem treinado. Acredito eu que ele tenha lidado com muitas mulheres traiçoeiras antes. Isso explicaria porque ele dá tão pouca importância aos meus truques femininos.
— Oh, tem razão, como eu poderia tratar a mulher que estará comigo todas as noites de minha vida de tal modo? — O tom irônico em sua voz fez me incentivou a pagar com a mesma moeda.
— Não tenho certeza, vossa alteza, talvez você apenas não prefira uma companhia feminina na sua cama. Estou errada?
Estas palavras foram o bastante para fazer com que o leão voraz escondido atrás do sorriso pacífico se revelasse. Arion levantou-se quase de imediato de sua mesa, pronto para me caçar viva. Ele apenas não sabe que, neste jogo de astúcia, eu sou o maior predador e não a presa.
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No Name
RomantizmBeatrice Lancellotti é filha de um duque muito influente do segundo império italiano e está prometida ao príncipe herdeiro do país inimigo, Arion Alcott. No baile em que será anunciado seu noivado, ela encontra um misterioso homem que desperta seu i...