Gabe
Os cyborgs foram feitos para a Grande Guerra. Mas quando a guerra acabou, todos eles foram destruídos e a criação deles se tornou ilegal, o pior dos crimes, quem for pego produzindo é executado na hora. Salvador, o criador dos cyborgs, foi executado após ser pego em flagrante durante a fabricação de seu último cyborg. Seu nome deveria ser Athena. A cyborg mulher. Ela seria única.
É por esse e outros diversos motivos que eu tenho que ficar atento. Sempre me manter a espreita e nunca, em ocasião nenhuma, devo ser notado. Mas uma mulher muito azarada me notou. Ela me notou da pior forma possível.
A observei durante o mês. Ela acorda cedo, se arruma e vai para o trabalho. Ela trabalha na fábrica de andróides domésticos. Ela quase nunca foge da rotina. Ela não tem tempo para se divertir. Ela está tão exausta.
-Anice! -A supervisora a chama totalmente furiosa. -O que é isso? -Ela estava com um mini chip destruído na mão.
-Eu... eu não sei -Anice retira sua máscara e pega o chip da mão da mulher o olhando atordoada.
-Não sabe, é? Isso foi durante o seu turno na sessão em que você estava.
Anice encara a supervisora com os olhos levemente arregalados.
-Eu não sei o que aconteceu, talvez tenha sido...
A supervisora dá um tapa no rosto dela. Um silêncio se estende e todos ao redor encaram, ninguém faz nada antes da mulher falar mais uma vez:
-Erros não são tolerados aqui, isso poderia ter feito um estrago enorme se Wen não tivesse visto -a mais velha aponta para uma loira que estava com os ombros contraídos.
Anice olha para a outra que sussura "desculpa" com uma feição arrependida.
-Você está demitida.
Os ombros de Anice caem, ela murcha no seu espaço, mas da sua boca nada sai.
-Apareça na minha sala para receber o salário deste mês.
Eu estava do lado de fora quando Anice saiu da fábrica. Conseguia ouvir seu coração acelerado e sua respiração pesada. Ela coloca o capuz e sai andando pela noite. Eu a sigo.
Seus passos eram rápidos, desesperados. Ela não suportava estar ali naquele momento. Como se já não bastasse, ela tropeça num buraco da calçada e cai. As muitas pessoas que passavam ali simplesmente ignoram. Eu avanço disposto a ajudá-la mas recuo no meio do caminho.
Eu não posso.
-Porra -a ouço murmurar.
Ela respira fundo e levanta com uma certa dificuldade. Ela continua seu caminho mancando um pouco, mas após alguns minutos já estava andando normalmente.
Pegamos o metrô, não estava tão lotado, a observo do outro vagão, ela estava de pé em frente a um homem adormecido.
Anice estava com a cabeça apoiada na barra e seus olhos estavam pesados. Mas antes que pudesse deixar-se levar pela tentação de fechá-los, ela percorre os orbes pelo metrô e seus olhos escuros como o espaço caem em mim.
Ela arruma a postura e enrijece o corpo, sem desviar a atenção em nenhum momento. Ela prende a respiração e aperta a barra de ferro. O metrô para na estação dela e saio sem deixar que ela me visse. Anice continua lá dentro por mais alguns instantes, me procurando, mas ela sai assim que não consegue me encontrar.
Anice retorna seu caminho, atenta, sorrateira, olhando para todos os lados, conferindo se não estava sendo seguida.
A rua do seu apartamento estava deserta, ela digita o código do portão e entra. Antes que pudesse subir as escadas na lateral da casa, um velho de roupão a detém no meio do caminho.
-Anice, você não me pagou o aluguel do mês passado -o ouço dizer.
-Eu... eu sei. Me desculpe, eu estava sem dinheiro -ouço o barulho do papel no bolso do seu moletom ser esmagado. -Eu tenho dinheiro aqui comigo -ela tira o envelope do bolso.
-Você não tem cartão salarial? Facilitaria pra mim.
-Não, só tenho dinheiro em papel.
Ele bufa e coloca as mãos no bolso do roupão.
-Vai servir.
Ela tira a quantidade certa de dinheiro e entrega para o velho. Não sobrou muito para ela.
Anice sobe as escadas e pulo o muro da residência. Meu sistema impede que o alarme dispare. Chego a porta e consigo sentir seu cheiro doce, tinha cheiro de melancia, puxo o ar e inalo o aroma.
Estava prestes a entrar quando ouço alguém subir as escadas. Subo no telhado e o velho de antes se aproxima da porta do apartamento de Anice.
Ele lambe os lábios e manteve um sorriso perverso no rosto, eu não gostei nada disso.
Ele bateu na porta e Anice a abriu, ela estava sem o moletom, apenas com uma regata e a mesma calça de antes.
-Hã... o senhor precisa de alguma coisa?
-Na verdade, sim -ele suspira. -Eu notei que você está com pouco dinheiro, e quero que saiba, que se não tiver dinheiro para o próximo mês, eu estou disposto a receber outras formas de pagamento.
Merda.
-Eu não... não entendi muito bem. Como assim outras formas de pagamento?
Porra, Anice, pelo amor de Deus!
-Ah, Anice, não seja tão ingênua, você é uma menina bem bonitinha e sabe que eu sou um homem solteiro.
Ela não fala nada, porque realmente não sabe o que dizer. Ela o encara com uma feição neutra, os olhos levemente arregalados. Consigo ouvir seu coração acelerado e o sangue do velho indo direto para o pau dele. Eu só consigo sentir nojo.
-Eu...
Ele se aproxima um pouco e Anice aperta o metal da porta.
-Você conseguiria coisas de graça se fosse um pouco mais esperta, sabia? -Ele fala baixo olhando o corpo dela como um pedaço de carne muito suculento. -Se soubesse usar o que tem entre as pernas direito, eu falo sério.
Eu estava prestes a pular da porra daquele telhado. Me visualizei quebrando os ossos daquele velho e cortando o pau dele. Se ele não saísse dali logo eu iria fazer.
-Não... eu não... isso é... -ela não conseguia falar, sua respiração pesada a impedia de responder. E ela nem devia.
-Vamos, Anice. Sim ou não?
É claro que não, filho da puta!
-Eu vou... -ela respira fundo. -Eu vou pensar, tudo bem?
-Claro -ele sorri convencido. -No seu tempo.
Ele sai e Anice fica ali parada durante alguns minutos. Estática, incrédula, eu também estaria assim no lugar dela. Tão indefesa.
Naquela mesma noite a observo dormir. Eu conseguia sentir o peso nas suas costas. Toda a exaustão e cansaço formando uma nuvem negra em cima dela.
Continua...
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Artificial: O Início. | Dark Romance
RomanceTudo o que Anice acreditava pareceu irreal quando, num beco em Paris, sua vida passou diante seus olhos. Foi aí que, das sombras, surgiu alguém com olhos vermelhos e brilhantes disposto a descobrir mais sobre ela. Gabe, um cyborg criado para matar...