Eu nunca gostei de bichinhos.
Tive um cãozinho na infância que era muito do trabalhoso. Rações eram caras, o bicho cagava e mijava por toda parte - inclusive em mim, quando eu voltava da escola - e toda vez que eu tentava ser carinhoso, ele me mordia.
Parece que bichos de estimação são sagrados. Sempre que eu conto esse trecho acima pra alguém, a reação imediata do interlocutor é "ah tadinho, ele só queria brincar. Que fofo".
Donos de animaizinhos fecham os olhos o tempo todo para o quanto o bicho pode ser filho da puta deliberadamente. Quando caminho pela cidade, vejo um grupo de pessoas com seus cachorros. Eles sempre param juntos no mesmo banco da praça e ficam falando sobre cachorros, rações e tudo o mais, enquanto os bichos dão uma farejada uns nos outros. Donos de cachorros são especialmente irritantes.
Ora, fizeram uma série de filmes pra um cara vingando a morte de seu cachorro. Realmente não é fácil dizer algo como "não gosto de bichinhos".
Mas o que rola é que quando esse cachorrinho - o nome dele era Buzz Lightyear, por causa do filme Toy Story - morreu, por conta de uma doença dessas que só cachorros pegam, eu fiquei arrasado.
Eu era praticamente uma criança, ainda não entendia a morte. Desde então, tomei uma profunda aversão por ter bichos de estimação. E a nutri até depois de adulto.
O Botija ficava sempre circulando os arredores daqui onde moro, há mais ou menos 2 anos.
Ele era um gato filhote. Ninguém da vizinhança sabia como ele veio parar aqui. As vezes eu voltava do trabalho e ele estava arranhando a porta da minha casa. Quando eu chegava, ele saía correndo.
Certa vez, durante a noite, enquanto eu estava prestes a me injetar e sair da realidade, senti um cheiro insuportável de gás. Quando fui ver, o gatinho malhado havia, de alguma maneira, furado a mangueira de gás que, por sorte, ficava do lado de fora da casa.
Só descobri que era ele quando me apressei a desligar a mangueira do gás e lá estava ele, deitado em cima do botijão. Foi assim que ele ganhou o nome, embora botija e botijão sejam coisas diferentes. Naquele momento ali, deitado, com uma carinha triste, o gatinho malhado filhote me conquistou e venceu minhas barreiras quanto a ter animais de estimação. Peguei no colo e levei-o pra dentro, sem que ele sequer oferecesse resistência. Parecia até saber o que havia feito quanto ao gás. Parecia até que era tudo um plano dele.
Gato sagaz.
O fato é que gatos são os animais de estimação ideais pra quem não gosta muito de animais de estimação. O bicho é independente, se lava sozinho, e não precisa ser ensinado a cagar na caixinha de areia. Se tiver uma lá, ele sabe que é onde deve cagar.
São bichos graciosos (como toda a família dos felídeos) e silenciosos. O Botija é extremamente educado e parceiro. Claro, ele tem o tempo dele para chegar perto, deitar nos pés ou no colo, mas não é carente como um cão.
Naquele dia, eu achei que havia salvado o Botija da rua. Não levei em conta que foi ele que me salvou do meu vício. Desde o primeiro dia dele na minha vida. Até inúmeras vezes depois. De todas as vezes que deixei de me drogar, a maioria foi pelo Botija.
E de repente, passava um filme na minha cabeça sobre tudo que vivi com esse gato nesses últimos dois anos. Todas as idas ao veterinário, todos os passeios noturnos no parque caminhando lado a lado, o tempo todo e sem distração alguma, de forma a deixar qualquer dono de cachorro adestrado com inveja da nossa sintonia. Todos os filmes que assisti e músicas que escutei com ele dormindo no meu colo. Ou nos meus pés. Ou nos meus ombros. Ele variava bem onde escolhia se acomodar.
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Devaneio
Mistério / SuspenseSeria um devaneio? Será verdade? Seriam meus olhos injetados? Será uma ressaca? Importa o que seria ou o que será? Essa história é muito sobre o que É. Ou sobre o que pode - ou parece - ser. Piazzo é o redator de uma revista esportiva. Mas sua vid...