You said forever

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⏯️ Play: Drivers License - Olivia Rodrigo

- Calma Lu, você está indo bem.
Ouço ela falando tão calmamente que solto um sorriso nervoso, minhas mãos ainda frias e tremendo enquanto eu coloco o câmbio no neutro, encarando o sinal vermelho à minha frente, em seguida olhando no retrovisor sentindo meu estômago embrulhar ao ver alguns carros se acumulando atrás de mim, e só então olhando para o banco do passageiro e encarando aquelas esmeraldas brilhantes que me olhavam confiante, seu corpo ligeiramente virado para mim.
- Você é maluca de me pedir pra entrar na avenida - falei alternando olhares entre Valentina e o semáforo que agora contava 30 segundos.
Ela sorriu e colocou sua mão esquerda sobre a minha perna coberta apenas por um short de malha preto, dando um aperto de leve na minha coxa.
- Relaxa. Aqui não vai ter polícia agora. E você já vai virar na próxima esquina pra gente voltar. - ela sorriu tranquilizadora e assentiu com a cabeça. - Vai dar tudo certo, você já está pegando o jeito.
Apertei os lábios, encarando no fundo dos seus olhos por alguns segundos. Com ela é tudo assim, de 0 a 100 em segundos, ela me leva até o céu, ou até o inferno se ela quiser, só com o poder que tem sobre mim. Droga. Sorrio de volta e mordo os lábios.
Ela se encosta novamente no banco, sorrindo satisfeita.
Me concentro novamente, vendo o semáforo próximo de ficar verde, para poder então engatar o carro novamente e dobrar à esquerda na esquina seguinte, logo avistando a praça tão conhecida por nós, onde ela costuma me levar desde quando comecei minhas aulas de direção. Posso vê-la sorrindo orgulhosa pelo canto do olho.
Assim que chego no quarteirão da praça, estaciono a SUV do Marcos próximo do banco em que costumávamos ficar juntas. Com as mãos ainda trêmulas, desligo a chave escutando-a destravar seu cinto e me viro para encará-la enquanto destravo o meu próprio.
Valentina mal esperou eu me virar e aproximou seu rosto do meu, segurando minhas duas mãos com a mão esquerda e acariciando meu rosto com a direita.
- Viu só? Eu sabia que você conseguiria. - e me deu um selinho demorado, estalando nossos lábios. - Você tem uma ótima professora.
Rolei os olhos quando se gabou, devolvendo o selinho na mesma intensidade.
- Imagina se eu bato o carro do seu pai - pontuo colocando uma mecha de seu cabelo liso atrás da orelha. - Ia trabalhar o resto da vida pra pagar.
Mas no fundo estava feliz por ela ter confiado em mim, mesmo que eu estivesse nervosa demais para dizer, além de estar grata por estar aprendendo com ela que tem sido totalmente paciente para me ensinar e ajudar a praticar.
Saio do meu pequeno transe quando escuto uma buzina atrás de mim, e assim que vejo o semáforo verde na minha frente, dou um pulo, engatando o carro e virando automaticamente na esquina seguinte, logo avistando a praça, que apesar de ser muito bela, tomou um tom melancólico ao me trazer mais recordações dela.
Sabia que minha mãe saberia que havia desviado a rota do mercado, que ela só havia pedido para eu ir porque sabia que eu gostaria de praticar, e também porque ela e meu pai estavam numa noite de baralho.
Mas não pude evitar passar no nosso lugar, que querendo ou não, havia se tornado um ponto importante para nós desde que começamos a namorar. Era basicamente um ponto central entre minha casa e a casa dela.
Quase pude escutar a voz da Carol na minha cabeça reclamando que eu era idiota por estar pensando na Valentina depois da nossa última briga.
Já fazia uma semana que não nos falávamos. Apertei as mãos no volante, dando a volta na praça enquanto lembrava de vê-la hoje mais cedo na faculdade, de papinho com a Ivana, uma colega dela que fazia estética também no período noturno, mas havia entrado na faculdade alguns anos antes. A menina a todo tempo fazia charme, jogando os cabelos loiros para trás, dando risadas e pegando no braço da Valentina.
Cerrei a mandíbula, acelerando de volta para casa e ouvindo as garrafas de vinho sacudindo dentro da sacola no banco de trás quando fiz uma curva um pouco mais rápido que o normal. Senti algumas lágrimas quentes escorrendo pela minha bochecha. Ela sabe que eu não gosto da Ivana, sabe que eu sempre senti que ela se atirava em cima dela, e mesmo assim lá estava ela no maior papinho. Será que eu sou tão insignificante que mesmo com nossa briga, ela possa estar toda feliz e risonha em menos de uma semana?
O para sempre não parecia tão real enquanto eu dirigia sozinha pelas ruas do Rio, com essa péssima lembrança e sentindo meu peito apertar de saudade da mulher que esteve ao meu lado por mais de um ano. E agora que conquistei algo que foi mérito não só meu, mas nosso, não posso nem contar para ela, ou ao menos conseguir me sentir feliz e realizada. Porque na verdade tudo que eu queria era dirigir até sua casa para comemorarmos juntas.
Escuto meu celular vibrando em cima do banco, mas estou com lágrimas embaçando um pouco os meus olhos, então pisco com força e me concentro na rua à minha frente.
A dor aguda no meu peito insiste. Sei que não somos perfeitas. Sei que eu sou difícil. E ela também. Mas achei que ela fosse lutar mais por nós duas. Mesmo tendo a tratado com aspereza, eu sei que ela sabe que foi no calor do momento. Eu estava com raiva. E ela também revidou minhas palavras.
   Que merda. Eu não consigo imaginar minha vida sem ela. Não dá. Sem as piadinhas idiotas, sem seu humor ridículo e às vezes até ácido, que me irritavam mais que tudo, mas hoje não passam de parte do seu charme. Porque eu sei que por debaixo daquela máscara de garotinha mimada, tem uma mulher forte, amorosa, generosa, altruísta. Coisas que ela deixa transparecer aos poucos para quem a conhece de verdade.
     Nem minha irmã entende tanto, apesar de ela ter cedido um pouco aos seus charmes. A única que me entende de verdade e sabe o quanto eu sou louca pela Valentina é a Duda. Mesmo que o Igor seja um amor com todo mundo, acho que pode ser porque eles vêm da mesma família.
     Ouço o refrão de Stay saindo das caixas de som, que eu nem havia percebido que estavam ligadas, e suspiro fundo, enquanto estico o braço apertando o botão do controle do portão, entrando com o carro na garagem e o desligando em seguida. Fecho o portão e encaro meu rosto no retrovisor por um instante, passando as mãos pelo rosto, limpando qualquer resquício de choro por ali.
    Respiro fundo, soltando pela boca e reúno coragem suficiente para soltar o cinto, saindo do carro e abrindo a porta de trás para retirar as sacolas.
    Ao abrir a porta da frente, posso ver a fraca iluminação no corredor e a luz da sala de estar acesa, ouvindo risadas e um burburinho.
    Ao escutar uma voz nítida e conhecida, meu coração errou uma batida, parece que o senti revirando na minha garganta ao escutar a risada de Valentina ecoar pelo corredor.
    Engulo seco minha expectativa relembrando da cena dessa noite na faculdade, e coloco minha melhor cara de deboche indo em direção ao balcão que separa a cozinha da sala e depositando as sacolas retornáveis ruidosamente, o que interrompeu a conversa dos meus pais com a Valentina.
Ela está sentada junto a eles na mesa quadrada de madeira, do lado da minha mãe, e seus orbes verdes me encararam ansiosos, um leve vinco é visível em suas sobrancelhas, enquanto ela se mexe nervosamente, fazendo as mangas de seu vestido preto balançarem.
Suspiro pesadamente, sem conseguir ter uma reação apropriada, alternando olhares entre os integrantes da mesa.
- Ainda bem que você chegou filha - meu pai fala, é o primeiro a quebrar o silêncio. - Sua mãe está falando pra Valentina que eu roubo na tranca. Agora virou um complô.
Valentina ri nervosa e minha mãe olha para o meu pai com olhar acusatório.
- Mas você rouba mesmo - falo um pouco seca, mas logo forço um sorriso. Meu pai não tem nada a ver com isso.
- Filha, eu te ajudo com isso - minha mãe diz se levantando e indo em direção às sacolas. - Vou colocar esses vinhos para refrigerar.
Meu pai não sai do lugar, pegando o baralho e começando a embaralhar.
Valentina finalmente se levanta, não posso deixar de encarar suas pernas torneadas passando pelas bordas da cadeira. Ela estava de tênis vans pretos, vestido preto de mangas longas que chegavam na metade de sua coxa, acinturado mas com barras soltinhas. Seu cabelo estava solto, caindo como uma cascata por suas costas. Desvio o olhar por um instante, sem querer dar o braço a torcer, mas meus olhos logo voltam à ela quando escuto sua voz mais próxima de mim.
- Luiza, a gente pode conversar?
Sinto minha pose vacilar, mas aceno com a cabeça e sigo em direção à porta do meu quarto, que fica um pouco mais distante da sala, para podermos conversar com privacidade, longe dos ouvidos curiosos dos meus pais.
Entro e me viro para ela, observando-a caminhar com pressa para dentro do quarto, e logo que ela passa eu fecho a porta.
Lu... - ela diz se aproximando mais.
- Não! - exclamo dando dois passos para trás, quase encostando no guarda roupa devido ao espaço limitado do quarto. - Não me toca.
Valentina congela no lugar, sua expressão ficando triste rapidamente.
- Eu só quero conversar, Luiza. - ela fala agora com a voz um pouco mais rude, mas logo suspira. - Me desculpa. Eu vim aqui porque eu cansei de me esconder. Cansei de fingir que está tudo bem enquanto meus dias seguem sendo uma merda. Eu não aguento mais.
Junto as sobrancelhas, surpresa. Não estava esperando esse movimento, ainda mais considerando a cena ridícula que vi hoje.
- Não parece que seus dias estão uma merda. - atirei, colocando uma mão na cintura.
Vi sua expressão confusa me encarando, e tratei de encará-la profundamente, mesmo sentindo minhas pernas bambearem com sua carinha de indefesa.
    - Estava toda sorridente hoje no restaurante da faculdade. Parecia bem feliz. Não me manda mensagem nenhuma, inclusive não me respondeu desde sábado. Não parece que faço alguma diferença na sua vida.

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