A fumaça provocada pelo consumo frequente de cigarros parecia estar preenchendo toda a casa, ela estava espalhando-se lentamente por toda parte, dando origem à uma espécie de cortina capaz de penetrar as camadas da sua pele e de corromper os seus pulmões, além de alguns outros órgãos importantes. A música, que estava suficientemente alta para deixar qualquer um surdo ou com zumbidos estranhos atormentando os tímpanos pelo resto do mês, era um heavy metal que coincidia com o gosto quase insano dos convidados de Anne. Não precisei passar muito tempo na festa para me dar conta de que aquele não era um lugar no qual eu pudesse me encaixar, entretanto, antes que eu pudesse dar meia volta e retornar para casa, Anne encontrou o meu olhar no meio da multidão de conhecidos e veio correndo na minha direção. Suspirei, um pouco desapontada, pois havia perdido a minha única chance de ir embora sem que ela soubesse. — Ei, nem tente fugir! Eu sei que você acabou de chegar. — Anne declarou com um tom de voz surpreendemente alto enquanto caminhava na minha direção. Não sei como, mas, de alguma forma, a voz dela conseguiu ultrapassar o volume da música. Levantei as duas mãos para o alto como se estivesse sendo abordada por uma agente policial implacável, os cantos da minha boca ergueram-se em um sorriso falsamente inocente e eu tentei responder a acusação dela o mais tranquilamente possível.
— Eu só estava procurando o banheiro, senhora.
— Você já esteve aqui antes, sabe que o banheiro não fica pra esse lado.
Não sei se Eun era um bom detector de mentiras ou se eu que era uma péssima mentirosa, o ponto aqui é que, não importa o quanto eu tentasse, eu não conseguia enganá-la.
— Acho que acabei me confundindo, então. Todos esses rostos desconhecidos me deixaram atordoada.
Ela me olhou de cima a baixo, cismada. Com a língua afiada pronta pra me retalhar em pedaços.
— Vou fingir que isso não aconteceu. Mas saiba que, de maneira nenhuma, você vai se livrar de mim essa noite!
Após proferir essas palavras com um sorriso travesso, a loira extravagante e de curvas exuberantes, que eu conheci quando ainda era só uma criança, me agarrou pela mão e me arrastou com ela até o balcão onde serviam as bebidas. Por onde passávamos as pessoas a saudavam com aplausos e assobios. Anne era como uma estrela de cinema; era bonita, carismática e conseguia se destacar em qualquer lugar que estivesse. Pensar que todos aqueles caras estiveram esperando um ano inteiro apenas para poder aplaudí-la tão incessantemente como estavam fazendo nesse exato momento me fez rir. Eu sabia que se eles tivessem a oportunidade e que se não parecesse algo idiota eles aplaudiriam ela sempre que a vissem na rua e não apenas nas festas de seu aniversário.
Fiquei encostada na parede próxima ao balcão enquanto Anne escolhia as nossas bebidas. Ao notar a diversão estampada no meu rosto, ela se aproximou um pouco mais e cochichou:
— E esse sorrisinho aí? Encontrou alguém interessante?
— Não. Eu só estou encantada com a devoção dos seus vários admiradores. Já escolheu o sortudo da noite?
O meu sorriso foi de divertido para sagaz, pude ver um lampejo de timidez passar pelos olhos dela, algo bem incomum. Esse não é o tipo de reação que se espera de alguém que é um exemplo de bad girl.
— Ainda não, mas já cogitei algumas opções.
— Contanto que o seu ex não esteja entre elas, vai fundo. Tem meu apoio.
— E se ele for a primeira de todas as opções?
— Então eu terei que acabar com essa festa antes que você cometa um grande erro.
Nossas bebidas chegaram no melhor momento possível. Devo admitir que não pensei muito antes de enfiar a minha goela abaixo. O gosto era de álcool puro. Depois de ter mandado tudo pra dentro percebi que beber um litro inteiro de acetona teria sido mais agradável.
— Minha nossa, pra ter bebido tão rápido assim você deve estar realmente enojada.
— E estou. Você sabe, o Erick é um babaca.
Essas palavras tiveram um grande impacto sobre Anne. Um que eu não esperava que tivessem. Seguindo o meu exemplo, ela virou o copo e mandou todo álcool pra dentro de uma só vez.
— Eu sei. Você sabe. Todos sabem.
— E então?
— Eu vou arranjar um novo namorado.
— Fala sério, Anne.
Acabeu rindo, mas foi de incredulidade.
— Eu estou falando. Por que não estaria? Você deveria vir comigo e mergulhar de cabeça nisso. Assim como acabou de fazer com a bebida. Não pense muito, apenas venha.
A determinação na voz e no olhar dela me pegaram de surpresa, desprevenida. Essa era uma das coisas que eu mais admirava nela; Anne não era do tipo que abaixava a cabeça e se rendia a tristeza, ela seguia em frente. Ela enchia a cara e seguia em frente.
— Vem comigo. O que tem aqui pra desgostar? Temos cigarros, bebidas e heavy metal. A noite é nossa.
— Então vamos nessa.
Tanto eu quanto Anne mergulhamos de cabeça nisso. Nós bebemos, dançamos e bebemos de novo. Ficamos presas nesse ciclo vicioso durante um longo tempo até que um cara teve a inciativa de chamá-la pra dançar. Deixei os dois na pista de dança e fui procurar o banheiro. Eu não sei em que trecho do caminho foi exatamente, mas eu acabei me desviando da direção correta e parei em um corredor escuro.
— Mas que droga. Não acredito que me perdi nesta merda.
Aquela não era a minha primeira vez no Rockscope Haus, Anne realizava suas festas naquela casa noturna todos os anos e, juntas, nós duas exploramos até mesmo as suítes mais secretas. Se eu tivesse visto um corredor assim antes, eu tenho certeza de que me lembraria. E tenho mais certeza ainda de que o evitaria a todo custo. Por causa do excesso de álcool circulando pelo meu sangue e da iluminação precária e quase inexistente eu não conseguia enxergar nem mesmo os meus próprios pés. Eu já estava pronta para voltar pelo mesmo caminho por onde havia vindo quando, de repente, um barulho estranho, mas não muito alto, veio do que parecia ser o fim do corredor. Não era possível ter certeza de nada, mas pelo o que eu ouvi, eu posso me arriscar a dizer que o som era de gritos misturados com alguma outra coisa. Gritos de dor. De muita dor. E se todos aqueles ruídos e sons estranhos estivessem saindo realmente do fim do corredor e não de uma sala blindada que estivesse por perto, isso só poderia significar que o corredor era longo. Assustadoramente longo.
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No Name
Vampiro"O céu inteiro parecia estar ansiando pela minha morte naquela noite. As estrelas, que até momentos atrás brilhavam graciosamente, esconderam-se com toda sua extravagância atrás de nuvens densas e escuras que eu, honestamente, não sei de onde surgir...