A cidade me teme.

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Simone e Soraya faziam parte de um cenário que apresentava uma espécie de paraíso perigoso. De um lado, estava pintado em vermelho vivo — nunca canela, quiçá bordô — que, de fato, o que faziam era uma profanação perene: uma ofensa ao Estado que prometeram honrar, aos cargos públicos que, no caso da mais jovem, fora conferido única e exclusivamente por mobilização popular, aos colegas de profissão, ao pacto entre povo e gestor, aos maridos e aos filhos. Em contrapartida, também reverberava de forma dicotomicamente sublime e urgente a necessidade que tinham de fazer a distância entre os corpos se extinguir. Era ela, a reflexão do desejo, tão presente e indecorosa quanto a loira de 1,59.

O capricho, que mais parecia uma ânsia, aflorava no corpo da Ministra como uma primavera de ipês.

Aquele par de mãos bronzeadas ainda estava tateando a tez alva do rosto de Tebet, que pecado. A fibra presente naquele toque movia até a mais inerte das montanhas, compreendia até o mais lúgubre dos cantos tomados por ansiedade que coexistiam com maestria na mente da Ministra de Estado, corrompia, de jeito uniforme, os princípios arredios que a ex-senadora dizia defender e era quase tão impossível quanto um temporal em pleno Atacama.

Um mapa de acasos as trouxe até ali, mesmo que não fosse a primeira vez; ainda que estivesse longe de ser a estreia das sul-mato-grossenses. E quem poderia culpar Soraya por usar da cartografia que a levou até aquele momento para acarinhar a face da ex-professora? De certo, foi nobre de sua parte. Se deixou guiar pelo que sabia — a nível sensorial — sobre o corpo da outra para arrancar à queima-roupa a postura da emedebista. Estrategista, claro. Mas, ainda assim, terrivelmente sentimental.

A parlamentar não chegou a pensar em nada, pois passou a confundir os sentidos quando Simone reivindicou o toque. Ah, sim, as palmas machucadas ficaram por cima das falanges da mais jovem de tal forma que trocaram calor e dispersaram a tensão palpável que existia desde o início da série de ligações emitidas pela morena. Sem mais nem menos, o cavalgar dos corações das duas senhoras entrou em um ritmo único, o qual conheciam as diretrizes pois era praticamente à la carte.

Não havia roteiro e jamais chegou a ser mecânico, mas, entre as ex-colegas de bancada, tudo tinha um tom particular. O controle e os instantes pertenciam a elas...

E só.

Prometeram, já imaginando o desfecho, que nunca mais tentariam possuir uma a outra daquela forma, ou de quaisquer outras, todavia, Simone foi mais ágil que a capacidade de ambas as políticas de recobrar a consciência. Mesmo tendo a capacidade ser certeira como uma flecha, Tebet queria reconhecer o perímetro. Por sentimento ou ingenuidade, optou por deixar a objetividade na porta do carro do motorista e seguir ao encontro de Thronicke já parcialmente desarmada.

A proximidade do par de lábios oferecia para as duas mulheres partes recortadas e amontoados de lembranças. Soraya, já assídua entusiasta da boca da professora, encarou aquela parte da morena com disposição e devoção, como se visse naquela parcela de Simone uma papoula em flor.

Por captar a energia que a outra dedicou a manter-se longe, a ex-aluna da maior também era capaz de tomar nota de como tal esforço caiu por terra no instante em que correu para vê-la porque se ausentou no evento que ocorrera no prédio público. O casinho — como Soraya nomeou — estava marcado a frio e ferro e fogo nas costas, mãos e peitoral da mais velha. Indubitavelmente, eram mais que marcas de uma paixão clandestina, visto que pareciam um resto de declaração deixada num mata-borrão.

— Simone... — a menor deixou escapar em tom de súplica. Simone moveu o rosto para cima, depois prosseguiu a deixá-lo no mesmo nível que o da Senadora. — Faz um tempo, Tebet...

Ao abrir um sorriso ladino, pois sabia bem em que circunstâncias tinha aquele lado de Thronicke, Simone iniciou.

— A contagem de dias pouco me importa, Soraya. — acariciou as mãos que ainda repousavam em seu rosto. — Eu só... — gaguejou. — eu estou assustada. — a de menor estatura deixou um vinco se formar por entre suas sobrancelhas. "Expressiva como sempre", pensou a colega de profissão. — Não quero conversar aqui. É muito exposto. Posso entrar na sua casa?

27 ligações • Simoraya (TwoShot)Onde histórias criam vida. Descubra agora