A noite parecia mais fria agora. Parecia mais fria a cada minuto que se passava, e que eu andava sem rumo naquela cidade desolada pelos fantasmas do natal. Como o Doutor poderia me tratar daquele jeito?! Ele não fazia ideia de como aquilo tudo era importante para mim. E ainda me descarta como se eu fosse uma ferramenta qualquer que ele não precisa mais! Sou eu quem deveria decidir o que perigoso para mim ou não. E agora me manda para casa... Casa. Era noite de natal e eu não tinha ninguém para celebrar com. Eu poderia até ter uma casa, mas com certeza não tinha mais um lar. Era claro que eu estava tentando fugir da realidade que me esperava em casa, e que eu teria que enfrentar não só naquele momento, mas também como pelo o resto da minha existência. Porém era verdade também que eu estava tendo a melhor noite da minha vida! Fazia anos – desde a época em que meu pai contava as suas estórias, na verdade – que eu não ficava tão empolgado e animado com algo, tão focado e cheio de excitação. Mas cá estava eu, dispensado como uma ferramenta usada... Ferramenta... Ferramenta! Claro, como foi me esquecer?!
Meu peito se encheu de calor e esperança, e eu comecei a correr o mais rápido que podia. Naquele exato momento, o Doutor já deveria ter chego na torre de água da cidade, e eu estava há quilômetros de distância; era novamente uma corrida contra o tempo. Esportes nunca foram muito o meu forte, mas era incrível como que quando se envolvia o Doutor eu sentia como se pudesse competir nas Olimpíadas, e nada mais parecia me incomodar: nem as dores no peito ou nas pernas, nem o vento gélido que cortava o meu rosto, ou o ar frio que entrava em colisão com o calor do meu corpo, os quais ficavam cada vez mais brutais conforme eu me aproximava do local da torre, já que as casas e prédios começavam a ficar escassos por aquela região, sendo mais um campo aberto.
Devo ter demorado perto de uns trinta minutos para chegar até o topo do morro onde ficava a torre da caixa d'água, e quando o fiz parecia que ia soltar fogo pelas narinas. O Doutor devia estar há uns três metros acima do chão, subindo a torre de caixa d'água e posicionando suas geringonças e para-raios no que pareciam ser pontos estratégicos, e enrolava fios e cabos na escada. Não demorei para notar uma grande caixa azul parada perto da torre, de onde saiam muitos dos cabos que estavam na escada da torre.
— Ei! Phew... Pre-precisando de ajuda? — Gritei para o Doutor em meio a ofegos, enquanto me apoiava em meus joelhos tentando recuperar o folego e amenizar as dores da corrida.
— Daniel?!
Pela distância não conseguia decifrar se a feição do Doutor era de surpresa, indignação, julgamento ou raiva, ou então tudo isso misturado. Antes que eu pudesse responder alguma coisa, ele começou a descer a escada e veio em minha direção.
— O que você está fazendo aqui?! Achei que tinha dito para ir para casa. — Disse o Doutor enquanto se aproximava. Agora que ele estava mais perto pude notar que usava o que parecia ser uns óculos retangulares e de armação preta, e sua feição era mais de surpresa com frustação.
— Bem, achei talvez iria precisar de alguma ajuda. Ou não sei, tivesse esquecido algo. — Tiro a chave de fenda sônica de meu bolso e a balanço. — Talvez uma ferramenta?
O rosto do Doutor mudou rapidamente de surpreso para espantado, arregalando os olhos e erguendo as sobrancelhas, enquanto apalpava os bolsos de seu paletó.
— Ei! Ei! Isso daí é meu! Como que conseguiu pegar?
— Peguei quando nos abraçamos, antes de você me expulsar do galpão. Quando se passa o dia toda trabalhando na rua, acaba aprendendo um truque ou outro.
— Hm, legal, aprendeu a ser um batedor de carteira! Agora me devolva a chave de fenda sônica. — Exigiu o Doutor, estendendo a sua mão e fazendo uma expressão que poderia derreter colunas de gelo glaciais. Tive que manter o foco para não me deixar ser abalado.
— Ahm, não. Prometa-me primeiro que vou poder te ajudar, e que não vai me descartar como se eu fosse um... um, um sapato velho!
O Doutor continuava a me encarar. Sério e impassível, com fogo num olhar que parecia me estudar.
— Eu não respondo bem a chantagens, Daniel.
— E arrisco dizer que não trabalha com agressão física, então vou ficar parado bem aqui. Na verdade, talvez até volte mesmo para casa.
E ele continuou ali, apenas me estudando – e julgando – em silêncio. Por detrás daqueles óculos, eu podia ver o pesar e o cansaço em seus olhos. De repente, sem mais nem menos, ele se vira e começa a andar em direção da torre.
— Você vem ou não? — Perguntou enquanto andava.
Controlando a minha euforia e sorriso de vitória no rosto, comecei a andar e apertei o meu passo para alcançar o Doutor.
— E não fiz chantagem, e sim uma negociação. Um acordo.
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Doctor Who - Os Fantasmas de York
FanfictionVocê já se questionou sobre as aventuras que o Doutor teve depois da Donna e antes de se regenerar? "Os Fantasmas de York" é uma de muitas que ele chegou a ter. O ano é de 1891, véspera de Natal, e coisas estranhas vêm acontecendo na cidade de York...