Aquele em que nos conhecemos

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Rio de Janeiro - Dias atuais

  Enquanto Alexandre dirigia em direção à escola da sua filha, pensava em quanto o tempo estava passando rápido demais.
Como podia aquele bebezinho que lhe devolveu a vida já estar indo para a escolinha e há poucos meses de completar 5 anos, foi aí que se questionou se estava aproveitando bem seu tempo ao lado da sua pequena.
Mas para falar a verdade, ele se lembrava de cada minuto. Lembrava da primeira vez que aquela mãozinha tão pequena agarrou fortemente seu dedo, de quando ele a levou para casa, dos choros incessantes nas madrugadas. Lembrava de quando ela deu o primeiro sorriso, da introdução alimentar, da primeira palavra, do primeiro passo e do primeiro aniversário.
  Hoje se sentia orgulhoso em ver ela crescer tão linda, inteligente e forte. Se recordou do dia que jurou a ela nunca mais a deixar sozinha por um dia que fosse, ele estaria sempre lá para ela, esse seria seu novo propósito nessa terra.

Flashback On

Curitiba - 18/06/2018

  Após ter estabilizado a mini paciente e passado todas as instruções para seu melhor residente, Alexandre saiu apressado do centro cirúrgico para ver se chegava a tempo de assistir o parto de sua filha, porém, assim que chegou ao corredor se deparou com Dr. Olavo e outros colegas de profissão. Todos estavam cabisbaixos e assim que o viram ficaram sem reação.
A: O que foi gente? Nasceu? Eu perdi? - perguntou já preocupado.
O: Dr. Alexandre, precisamos conversar. - falou sério.
A: Por que? O que aconteceu?
O: Helena teve uma complicação médica e foi encaminhada para a sala cirúrgica 2.
A: Como assim? Elas estavam bem. Vou me higienizar rapidamente para entrar, ela precisa de mim.
O: Nero... você não entendeu, elas - gaguejou - elas não tiveram chances. - disse já com lágrimas no olhos.
  Alexandre não quis ouvir mais nada, correu em direção a sala e lá encontrou toda a equipe médica de cabeça baixa com lágrimas rolando livremente por seus olhos, o silêncio sepulcral que residia ali naquele local foi quebrado pelo grito dolorido de Alexandre ao se deparar com os corpos já sem vida de sua esposa e filha.
Alguns amigos tentaram o levantar do chão, consolar ele, mas ele sequer deixava ser tocado, chorava desesperadamente a ponto de todo seu corpo tremer e levou muito tempo para que conseguissem o tirar dali.
O médico entrou em um estado de choque e sua vida parecia estar agora seguindo em câmera lenta. Havia perdido o amor da sua vida, sua paixão e sua filha. Parecia até castigo ele continuar ali.
  Enquanto arrumava todos os documentos para o velório e enterro, pensava em todos os planos que ele e Lena haviam imaginado para essa nova fase da vida deles que se iniciaria, todos esses planos que jamais se concretizariam.
No dia do enterro Alexandre não conseguiu comparecer, não podia olhar para o corpo gélido da sua esposa ali estirado naquele caixão, logo ela que sempre foi tão cheia de vida. E muito menos poderia lidar com seu bebê, tão inocente, com tanta vida que tinha pela frente, ali deitada em um mini caixão repleto de flores brancas, assim como as da mãe.
  Três dias após o ocorrido, ainda não sabia o que faria da sua vida, pensou em passar em qualquer bar e beber até cair na vã tentativa de esquecer de tudo, pensou em se dopar e dormir pelos próximos dias ou, com sorte, nem acordar. Mas, no lugar de qualquer uma dessas opções, dirigiu para o hospital, sua segunda casa. Local onde conheceu Helena, onde a pediu em casamento, onde descobriu que seria pai.
Alexandre estacionou seu carro e ficou pelo menos uns 5 minutos ali dentro tentando absorver todos os acontecimentos dos últimos dias.
Ao adentrar o saguão de entrada viu a calmaria em que se encontrava, tão contraditório, porque dentro dele estava tudo uma grande confusão. Parecia que estava vivenciando uma ressaca do mar e sendo jogado contra as pedras.
Dirigiu-se então para o centro cirúrgico e ficou lá  encarando a porta do último lugar que viu suas meninas ainda com vida.
Seguiu andando e chegou ao berçário, procurou por sua última paciente e logo foi indicado onde ela estava. Também foi informado sobre o estado da menina e que ela iria para a fila de adoção, sua mãe havia acabado de abrir mão de sua guarda.
  Alexandre mal pode acreditar, como alguém poderia ter abandonado aquele bebê tão lindo e saudável. Como podia Deus ter tirado seu direito de ser pai e ter dado a alguém o direito de ser mãe sem nem ao menos ela merecer. Isso tudo era tão injusto. O sonho de Helena era ser mãe e agora ela estava morta enquanto a mãe daquele bebê ali havia desistido dele.
Naquele dia Alexandre duvidou da existência de Deus e amaldiçoou a vida de Hipócrates. Ora, como assim? Ele e sua esposa iam à igreja todo domingo de manhã, os dois dedicaram anos da sua vida à medicina e nem assim a vida dela havia sido poupada.
  O médico se dirigiu até a incubadora e ficou observando a criança. Ela dormia tranquilamente, alheia a qualquer coisa que acontecia ao seu redor. Puxou uma cadeira e sentou ali perto, usou seu dedo para acariciar o rosto da pequena e parou em sua mãozinha que prontamente segurou fortemente ele.
Alexandre não pode deixar de sorrir e também de deixar uma lágrima cair. Talvez aquela ali fosse a sua segunda chance.
A: Oi, bebê. O que você acha de eu ser seu papai? - sentiu seu dedo ser apertado - gostou? Acho que temos um combinado então - sorriu - farei de tudo por você, sempre, até meu último suspiro. - sorriu.
  E foi ali, naquele minuto, naquele lugar, que Alexandre encontrou um motivo para continuar.

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