Primeiro - I

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Jake
Ano algum de lugar nenhum
00:30

Os corvos sobrevoam minha cabeça, partindo para seus lares enquanto me veem correr em terra firme. Apesar de estarem tranquilos, tenho certeza que minha angústia não passa despercebida de seus olhos astutos.

Estou fugindo.

Meus pés atingem as poças de lama que se espalham pela região úmida da chuva da madrugada fria. Estou cansado, exausto para falar a verdade. E tudo o que desejo é um simples pedaço de pão abençoado e de uma doce taça de vinho. Sinto falta de minhas regalias, das poucas que ainda possuía. Éramos ricos, mas hoje meu nome foi desgraçado para sempre. Aquele homem do qual cheguei a chamar de pai durante tanto tempo acabou com tudo, destruiu o que tínhamos e colocou fogo em anos de trabalho. Se afogou em tantas dívidas que já não podia engolir nem mesmo a água que bebia ao acordar. Então eles vieram e destruíram tudo que encontraram pela frente.

Tudo havia se ido, até mesmo ele, nós. Algo em mim também se partiu naquela hora.

Arrancar seus corações fora do corpo não havia sido o suficiente. Para eles, o dinheiro era o de menos, sofrimento e poder era o que realmente traziam consigo após matar pessoas que os fizeram promessas falsas. Tornava-os temidos, poderosos sobretudo.

Enquanto o corpo do meu irmão mais novo caía ao chão, pálido e pesado, meus pés estavam congelados sob o início da escada. Pergunto-me até agora se realmente estava chocado ou apenas sou um jovem medroso o suficiente para não defender seu próprio irmão morto com lealdade e coragem.

O homem estava encapuzado, e seu material era grosso demais para parecer com algum tipo de tecido que já exista por aí, parecia-me pele. Mas pele de que? Qualquer que seja o ser que precisou morrer para agradar o vestuário daquele homem, sinto pena de tal. Ele continua, observa o corpo do garoto cair em seus pés, e, de primeira, não o toca, não o chuta, nem nada do tipo, apenas o observa cair e estar caído, tão perto. Aos poucos se abaixa a altura do corpo que esvai uma mancha de sangue enorme no chão de madeira, ele retira suas luvas de couro e as guarda dentro do bolso do casaco, pega uma faca de punho afiada e então perfura seu peito pequeno, cortando a pele e tudo que precisa cortar e quebrar até que atinja seu coração, arrancando-o com selvageria.

Meus olhos arderam o bastante para necessitar fechá-los por um instante, e então perceber que precisava andar para fugir. Alguns passos lentos até conseguir atingir a janela mais próxima e me enroscar no para peito pulando de vão em vão até atingir o solo. Pouco tempo depois, quando olho para trás e vejo tudo o que não sobrou da minha vida, a mansão vai pelos ares.

Se foi... minha doce vida.

E então ela surgiu.

Caminhando mais um pouco pela floresta, tenho a impressão de que ela está mais movimentada do que deveria neste horário. As árvores densas e grandiosas escondem por detrás de suas folhagens um quarteto de quatro mansões gigantes e por fim um mini castelo ao encosto de uma montanha. Tenho certeza de que nunca havia reparado em nenhum desses pontos em quaisquer de minhas caminhadas a cavalo antes.

Caminho mais um pouco e escuto uma  música suave que toca, som de piano e violino, enquanto ao longe, mas se aproximando com a ventania, o cheiro de pão fresco e vinho tinto atingiu minhas narinas, fermentando minha vontade de comer algo para saciar os poucos desejos que ainda possuo. As luzes estão acesas, suas janelas refletem os candelabros amarelados do lado de dentro de cada salão. Longe, as pessoas parecem borrões, mas tenho certeza de que estão rindo enquanto dançam e bebem alegremente. A melodia é fúnebre e encanta mesmo aquele mais bondoso coração sem mágoa alguma. Sinto-me pesado, entorpecido pela vontade que tenho de saciar todos os meus problemas e desejos novamente. Meus pés começam a andar novamente mesmo que estejam cansados, cheios de calos recobertos pela meia sofrida. 

Dark Blood - Jake Onde histórias criam vida. Descubra agora