Segundo - II

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Cem anos depois...

O sabor não é doce, tampouco salgado. O Líquido flui dentro da minha boca, fica ali, me fazendo tentar adivinhar qual gosto tinha, e não era bom, nem mesmo parecia apetitoso, mas de alguma forma era o que me mantinha vivo após tanto tempo.

— Satisfeito? — pergunta.

Não, não estou. Tenho fome, uma fome tremenda e sem fim.

Quando me levanto a carcaça sem vida do cervo cai em meus pés. Ele era grande, robusto e formidavelmente lindo, como um belo e admirável animal da floresta, servindo de embelezamento natural, e agora é apenas um ser miserável e sem vida. Feio. Horrendo.
Ela se mantém sentada em seu trono, bela e imponente, me observando atentamente confortável em suas vestes límpidas, diferente das minhas, completamente sujas do sangue de um ser inocente. Desde que me tornei um de seus servos e amantes, dos quais ela adora admirar, esses animais da floresta tem sido meu sustento e o remédio para que eu não enlouqueça de vez, mas, algo me diz que estou a beira do mesmo princípio onde ela me jogou a centenas de anos atrás.

A poça de sangue se estende até o solado de seus sapatos, manchando a barra do seu vestido branco, formando um rastro vermelho enquanto caminha em minha direção. Seus olhos vermelhos estão intensos, vividos, como se fluísse sangue fresco em cada uma de suas orbes. E, assim como anos atrás, ela me atrai para a sua insanidade, me forçando a fazer aquilo que quero mas meu consciente não permite, ela, de alguma forma me expõe a quem realmente sou da forma mais grotesca existente.

Mesmo que não possa morrer, ou que conviva com a morte durante todos os segundos da minha eterna noite, sinto como se fosse deixar de existir quando estou perto dela.

— O centenário está chegando, deve se preparar. — A voz é melodiosa, e me pergunto se ela é uma espécie de maldição. Sei que minha pergunta é tola porque a resposta é sim, mesmo assim, me nego acreditar que exista alguém no mundo como ela.

— Não sei se estou pronto. — digo, por fim.

Durante o centenário, a nova geração de vampiros finalmente deve completar sua transformação bebendo o sangue de uma mulher apaixonada. Aqueles que foram escolhidos e concebidos pelos membros do supremo ou descendentes da primeira linhagem, que não foram capazes de concluir sua transformação, serão despejados, exilados e deixados enlouquecer completamente no monte íngreme.
Não sei dizer se as histórias que ouvi durante todos esses anos por todos os salões que já andei eram realmente verdadeiras, mas, há quem diga que se um vampiro acolhido for jogado no monte íngreme, ele se transforma em uma fera maldita, feia, esquelética e caquética que se alimenta das pequenas quantidades de sangue de roedores que rondam por aquela região. Geralmente vampiros acolhidos pelos membros do supremo ou descendentes da primeira linhagem, assim como minha dama, são agraciados com bens, fazem parte da elite e se sentem, principalmente, como um vampiro genuíno. Nenhum deles quer perder seu status, conforto e melhor, seu banco de sangue fresco e saboroso.

— Por que não? — ela me pergunta.

— Porque não sei se consigo enganar outra mulher enquanto é a senhorita quem amo. — digo.

Há algo nos descendentes dos primeiros que me instiga, sangue. Todos eles, de alguma forma inexplicável, possuem sangue fluindo em suas veias e mesmo assim continuam tendo o aspecto pálido em suas peles, como se estivessem mortos. E mais perguntas surgem em minha mente que nem mesmo cem anos de vivência foram o suficiente para responder pelo menos um terço delas; Há algo mais importante para vida do que um coração bombeando sangue? O líquido flui pelas suas veias, eles pingavam quando se feriam, mas independente disso nenhum deles morreu vítima de algum ferimento ou corte profundo. Apenas fogo celestial era capaz de matá-los, ou, tendo sua cabeça arrancada.

— Admiro sua devoção — A ponta de seus dedos vermelhos desliza pela minha pele, manchando-a de vermelho intenso, vivido.

Sinto fome.

O aroma doce que exala do líquido que escorre de suas palmas sujas de vermelho me destrói por dentro. Em poucos segundos sou consumido pela fome incessante e pela sede que seca minha garganta. Há algo dentro de mim que se transformou na medida em que ela aproxima as mãos do meu rosto. Aquilo que pinga de sua pele não é o mesmo sangue que sujou meu corpo, não é nada vindo de algum animal da floresta, aquele líquido vermelho cheirava a sangue humano.
Abro a boca para miseravelmente pedir que esfregue seus dedos sobre meus lábios, para que apenas me deixe saborear um pouco daquilo que era realmente saboroso, mas sou surpreendido quando sua boca choca-se contra a minha em um lapso de segundos. Um simples selar de lábios se transforma em um beijo intenso e em poucos segundos estamos jogados no chão próximos ao corpo sem vida daquele pobre animal, arruinados em meio a uma poça de sangue que se formou em volta da carcaça. Logo, o cheiro doce do sangue humano está impregnado em minhas roupas, em seu corpo, em seus lábios, por todo nosso ser.

Seus olhos estão baixos, afiados e mesmo assim, em um momento relaxante, minha dama aparenta estar alerta sobre meus movimentos. Tenho seu corpo em minhas mãos, e meus lábios tocando a pele morena pálida do seu colo, apreciando o sangue que escorre pelo pescoço.

— Você age como um selvagem sem rédeas, não como um homem. — ela me lembra.

— Sinto muito por não atender suas expectativas, minha dama — a ponta de sua unha desliza por todos os fios do meu cabelo, bagunçando-os e por fim, fazendo o cabelo loiro surgir em frente aos meus olhos.

— Sinta esse cheiro, lembre-se dele — Seus sussurros são lentos em minha mente. — Vá, a procure e traga-a para mim, para nós. Assim finalmente você será meu, Jake.

Eu serei dela.

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Esse de hoje foi mais curtinho, mas espero que tenham gostado! Até o próximo ❤️🩸

Dark Blood - Jake Onde histórias criam vida. Descubra agora