Vigília

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Pov: Filêmon, 18 anos.
Itens: Pasta (Onde carrega os itens)

Pasta catálogo (Contém as partituras dos hinos do coral)

Bíblia (Uma bíblia simples dada por mamãe)

Harpa pautada (Contém arranjos para coro de todos os hinos da harpa)

Celular (Uso para tirar a altura do hino, raramente faço ligações)

Molho de chaves (Contém as chaves da igreja)

Escondido, encaro a realidade da morte com pavor à medida que o monstro se aproxima e suas mãos começam a subir pelo armário. Uma última e rápida oração se forma em minha mente, um lance de angústia tão veloz que chego a duvidar se realmente a fiz ou se foi apenas um delírio.
Meu corpo inteiro se tenciona com os grunhidos da criatura, quando um barulho de algo arrastando é ecoado em alguma sala próxima, soa como um móvel com pés de metal, já que o som termina com um ruído agudo ascendente. Instigada pelo estrondo, a aberração sai da sala a fim de investigar, um milagre.
Ainda sob estresse, relaxo-me e suspiro aliviado, grato pelo livramento. Pensamentos mil possuem-me como sanguessugas. Seria um demônio? Por que estaria na igreja? Acaso ninguém notificou um obreiro para exorcizá-lo? Por que eu estou preso aqui?
Conforme minha adrenalina baixa, passo a sentir a dor dos ferimentos causados pela criatura, são ardidos, como rasgões de unhas de gato, apesar disso, não são profundos. Surpreendente, tendo em mente sua força. Talvez meu juízo estivesse sendo prejudicado pelo horror que senti e a "superestimei", prefiro não duvidar.
O celular! Quase nunca o uso dentro da igreja, mas ele é minha esperança nessa situação. Uma esperança que se destrói rapidamente já que qualquer tentativa de fazer uma ligação é vã, não importa o que eu tente, reiniciar o celular, ligar e desligar o modo avião, tudo falha.
Dou um suspiro frustrado quando tento pensar em outra alternativa, caminhos diferentes de ideias se formam em minha mente, entretanto nenhum tem uma margem de erro menor.

A ansiedade sufocante é acompanhada pelo meu desejo de fumar, um amargor em minha boca que seria balsamizado com uma fumaça quente tragada.
Fumo desde os 14 anos, antes mesmo de me envolver com os trabalhos da igreja, foi pouco depois de conhecer Esther que meu vício se iniciou. Lembranças nostálgicas e flashes de memória nebulosos preenchem meu cérebro, como um sonho que se esquece imediatamente ao acordar com o despertador.

Dou fim ao anseio e saio de dentro do armário com uma decisão: escapar daquele lugar o mais rápido possível. É o mais sensato a se fazer nesta situação inexplicável em que estou.
Reparando melhor no ambiente, noto uma atmosfera de causar coceira, os personagens infantis feitos em papel E.V.A geram aflição, as cores saturadas unem-se a natureza isolada do lugar e contribuem para um horror "exótico", se é que se pode se chamar assim. Estar sozinho neste lugar não ajuda muito...


Num momento, penso no barulho que o monstro ouviu. Por certo alguém empurrou aquele móvel, ou seja lá o que era. Talvez eu não esteja sozinho aqui...
Quem sabe se eu puder achar a pessoa por trás daquele barulho eu possa pedir ajuda!
A possibilidade me preenche com um certo otimismo e me motiva a prosseguir.
No sair da sala, dou de frente com as mesmas escadas em que fui perseguido, e então, percebo o perigo que é andar aqui, assim, faço de meus passos leves, apoiando meu peso em maior parte na porção superior do pé, para que a plataforma do meu sapato não cause barulho.
A caminhada é lenta e olhar pra trás é aterrorizante, mas necessário, além disso, os degraus formam rotas confusas. Eventualmente, tomo um caminho pelas escadas que me leva a um andar com corredores estreitos e com salas de portas largas. É amedrontador, frequento essa congregação há muito tempo e ela nunca foi desse jeito, essas salas nunca existiram e uma reforma que a mudasse dessa forma levaria meses.

A confusão me consome no passo de meu caminhar, a minha visão perde o foco, com ímpetos de coragem retomo-o e consigo enxergar a realidade de maneira nítida, ainda que minha capacidade de identificar o caminho seja parcialmente prejudicado devido a iluminação irregular.
"Despensa". Vejo escrito acima de uma porta de vidro fosco. Está fechada, porém me lembro do meu molho de chaves, não recordo-me de tirar uma cópia da chave desta sala, não custa tentar. Uso chave por chave e eventualmente me surpreendo, consigo abrir.

Me alegra e me intriga, talvez o tambor da chave seja o mesmo de outras portas. Dentro da despensa há materiais de limpeza, entre eles um vidro de álcool etílico. Derramo-o sobre minhas feridas, surge uma ardência imediata que é dissipada com o tempo, sei que não é ideal, ao menos consegui lavar os cortes. Guardo o restante de volta nesse almoxarifado e fecho a porta, prosseguindo o caminho.
Ando um pouco quando deparo-me com outra sala. "Banda", o letreiro tem letras adornadas, entretanto a placa está encardida e a cor já está esbranquiçada. Dessa vez, a sala está destrancada e abro-a sem dificuldades.
Dentro a atmosfera é surpreendentemente aconchegante, com um piano de armário no canto esquerdo, ao lado de uma estante com inúmeras pastas catálogo que parecem ter vários envelopes.

Há algumas gavetas chaveadas as quais forço as trancas, sem resposta. Ao centro, uma escrivaninha. Nela estão alguns lápis e canetas dentro de um copo e alguns papéis com partituras impressas.
As partituras têm diversos formatos, algumas são para coro, outras são grades de banda, há também alguns arranjos manuscritos para piano. Ponho-me a admirar aquelas músicas, a altura das notas vai surgindo em minha mente à medida que as observo, sinfonias e cânticos percorrem minha cabeça em arranjos que agem como calmantes em mim.

Estou tranquilo...
Saindo dali, continuo a vagar e encontro um cômodo aberto com duas passarelas que levam: uma ao banheiro feminino, outra ao masculino. Pode ser a minha chance de beber uma água e lavar o rosto.

Entrando no banheiro feminino, noto um odor forte de amônia vindo das pias. Nos espelhos alguém desenhou o rosto da Hello Kitty, provavelmente feito com batom. Dentro de uma das pias, há uma tesoura de costura pontiaguda, de muita utilidade caso o monstro retorne. Então, levo comigo.
Ao sair, vou ao banheiro masculino para investigar. Logo ao abrir a porta, um fedor absurdamente pútrido preenche minhas narinas e faz-me tossir em repulsa. Meu estômago se revira, porém, minha resposta biológica é interrompida por algo como o sugar e beber de algo, ouço também um choro desesperado que se intercala com engolidas.
Por certo é outra pessoa, então me dirijo até a cabine de onde vem o som. Lentamente me aproximo dela e o barulho muda em certos momentos, junto com o choro há algo como gargarejos e outros ruídos glotais.

Está na última porta, puxo-a me preparando para saudar seja lá quem estivesse ali, mas sou tomado de horror com a cena...
Um monstro de forma humanoide prostrado no vaso bebendo um líquido vermelho escuro como sangue de dentro dele, moscas e vermes cercam-no e se rastejam pelo lugar. A pele da coisa é similar a da outra besta que vi.

Ela se vira ainda ajoelhada e começa a andar em minha direção. Ela emite um grunhido que lembra um choro, deve estar em profunda agonia. Seu peito tem o mesmo líquido do vaso e seu rosto não tem nariz nem olhos, apenas boca. Porém, nas cavidades oculares, há glândulas que minam uma secreção semelhante a lágrimas. Os joelhos veem-se feridos como se a monstruosidade estivesse naquela posição há muitas horas. Seus braços são estendidos como se implorasse amparo.
Me afasto assustado, a criatura aperta o seu andar e se aproxima rapidamente de mim com sua boca aberta, como se quisesse me morder. Num reflexo rápido, consigo pegar a tesoura que havia encontrado e acabo por conseguir cravá-la no corpo da coisa, ela se afasta e grita em dor, atordoada.

Em adrenalina ardente, corro até o ser e num instinto de autodefesa, tiro a tesoura de seu corpo e a cravo novamente , de modo repetido e incansável ataco a criatura que grita em dor a cada perfuração.

Não consigo acompanhar a quantidade de golpes que dou no monstro quando ele enfim para de se mexer. Ainda no mesmo instante, piso na fera com força, assegurando-me que ela não volte a levantar.
Aliviado, suspiro e tomo a tesoura.

Estou exausto, cresce em mim um sentimento mórbido e sujo, como se me sentisse mal por ter matado aquilo, conforto-me pensando que eu poderia morrer em seu ataque.

Ofegante saio dali e me vejo diante de uma aflição terrível outra vez.

O monstro do banheiro...há vários espalhados pelo cômodo.

...

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