Rendei-lhe sempre ardente louvor

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Pov: Filêmon, 18 anos.
Itens: Pasta (Onde carrega os itens)
Pasta catálogo (Contém as partituras dos hinos do coral)
Bíblia (Uma bíblia simples dada por mamãe)
Harpa pautada (Contém arranjos para coro de todos os hinos da harpa)
Celular (Uso para tirar a altura do hino, raramente faço ligações)
Molho de chaves (Contém as chaves da igreja)
Tesoura (Encontrada no banheiro masculino, agora está ensanguentada)

Ao abrir a porta do banheiro masculino, uma cena de horror nauseante salta-me os olhos. Em largo número vê-se demônios como o que derrotara.
O pavor corta-me o corpo, o suor desliza em minha testa. Zumbidos em minha audição surgem, acompanhados de confusão e vista turva.
Sem alternativa, um impulso, fujo. Nos corredores, as garras monstruosas grudam-se aos meus joelhos. Eles são de baixa estatura, sendo incapazes de subirem em mim.
Entre golpes e alguns chutes, consigo afastá-los de mim, cada investida arranca de mim o fôlego e desgasta-me mais. As aberrações me perseguem gemendo, como se o inferno se manifestasse ao redor. A pasta dependurada à lateral de meu quadril salta conforme fujo, sinto meu osso ferir, arde. Minha garganta está esturricada por secura, com os pés fracos meu passo fraqueja.
Fim. Diante de mim um muro de concreto, parede diferente das outras, rígida. Tento empurrá-la, inútil.
O Hades chega. Em minhas costas a legião murmura sedenta de me destruir. Estou cercado.
Sinto calafrios, a angústia final, a morte. Ao se aproximarem, seus passos de carrasco atordoam-me, a parede fria sobre minhas costas é meu cadafalso, eles, a audiência.
De repente, um enorme grito feminino ecoa ao longe, grande parte deles se interessam, dispersam-se. Um milagre.
É o momento. Engulo a covardia e oportunista, vou entre os monstros, lanço-lhes longe com minha pasta. Alguns batem suas cabeças grotescas nas paredes e perecem. Em resposta, voltam todos contra mim, eles tentam me forçar ao chão, rasgando-me. Suas unhas asquerosas cravam minha pele como agulhas. Meus óculos caem do rosto.
Noutro ímpeto de coragem. Consigo livrar uma de minhas pernas e desfigurar um bicho com um chute feroz. Uma brecha se forma entre eles, consigo resgatar força pra me livrar dos outros e me esgueirar, na escapada, rasgam a barra da minha calça.
Novamente em corrida, dessa vez, debilitado. A coragem anterior consome meu medo no instante, prossigo.
Torno as escadarias que trouxeram-me aqui. Dessa vez, as desço fazendo estardalhaço. Espero não dar em outro beco sem saída, perco-me no “labirinto” de degraus tropeçando em meus pés, apoio-me nos corrimãos para não cair.
Eventualmente, uma porta diferente das outras, avermelhada, desconheço o material. Adentro-a, aflito.
Estou ansioso. Taquicardia, sudorese, calafrios, sequelas de minha agitação. Diante de mim, outro corredor. Largo como garagem, chapiscado em vermelho acastanhado, de altura pouco maior que a minha, extenso como de hospital e completamente escuro. Não há qualquer fresta nas laterais que convide luz a entrar.
Silêncio, devo ter despistado as coisas, encaro a porta por onde entrei e lamento a perda dos meus óculos, embora retornar não seja uma opção.
Receio estar preso e ilumino o ambiente com o celular. Com andar despreocupado, caminho. A passarela é imensa e há no piso algumas grades como de esgoto que repartem a continuidade da passagem.
Aperto o passo, parece não haver fim. Engulo saliva gelada, como de preocupação. Ando, ando, o mesmo, ando, corro, nada. O alívio anterior se reforma em estranheza, a fadiga me desmotiva e paro.
. Pensar na situação que aconteceu é tortuoso, é um castigo? Martírio? Surreal, sim, mas de todos, por que eu? As orações que fiz, propósitos, jejuns. De nada serviram? Olho adiante, o banco acolchoado da igreja. Minhas mãos tremem em misto de horror e desprazer, o choro histérico cai por meu rosto. Ali estou novamente, é madrugada, poucos estão no templo. Faminto, fui a vigília em jejum. Paralisado, ajude-me Deus, vele por mim, cuide, ampare-me. Abatido, minha cabeça arde, como se a perfurassem. Mal posso falar, meu diafragma é incapaz de suster meu grito. Os joelhos, estão em carne viva, a patela e parte da articulação expostas. DÓI!
Um estalo, regressei ao corredor sombrio. A lágrima pinga de meu queixo ao chão, eu estou sozinho.
Germina em meu coração uma saudade dolorosa, quantos lindos hinos estaria ensaiando agora, fugindo do horror da realidade da minha vida penosa. Ao respirar, me vem à cabeça um:
“Em fervente oração, vem o teu coração, na presença de Deus derramar…”. Canto balsamizante com divisão rítmica incomum, como a do arranjo para coro. Entoo ainda uma terça acima, como sinaliza a linha do tenor, hábito, é como faço no coral. Acalmo-me, volto a mim..
Gritos ouço ao longe, como o de antes. Uma moça, está em dor.  Apresso-me, talvez posso ajudar. Mais uma vez, berros que parecem romper a garganta .Vou adiante rapidamente.
Deparo-me com uma porta de vidro, há um adesivo colado que ofusca o outro lado. Nele, se tem escrito:
“Desfrute alegria infinda ao adorá-lo."
As letras de fonte bem trabalhada são sobrepostas a uma imagem engraçada. Um lago cercado dum gramado saudável e árvores altas nas quais pousam pássaros azuis. Seria a frente de uma igreja?
Empurro-a. Minha suspeita é certeira, uma nave com grandes colunas revestidas de pastilha esmeralda que suportam a galeria no andar acima, além de bancos simples de madeira organizados uniformemente. À frente, assentos organizados em outra disposição, provavelmente reservados a algum conjunto. Vasos de flores brancas cercam o altar em arranjos comuns.
É irreal? Este templo não é como o que frequento. Aquele corredor enorme? Será ele uma conexão entre as congregações da cidade? Uma rede assim seria impossível de existir!
Questionando, olho para trás. Outro portão, largo e alto, uma entrada de igreja. Não mais uma porta pequena. Trevas tomam o lado de fora. É impossível arrastar o vidro pelo trilho. Não surpreende.
Então paro e surge a dúvida: Qual a razão de tudo isso? Numa hipótese insana eu diria que estou em um plano criado pela minha mente a partir de um desejo meu por castigo. Loucura. Ordas de feras perseguindo-me e cenários como os de algum jogo indie? Realmente enlouqueci?
Lembro-me do grito. Se de fato não estou só nesse lugar, talvez eu não esteja em psicose.
Raciocínios múltiplos vem-me à mente, cesso-os e em troca deles, opto por explorar o templo em busca de alguma resposta.
Observo as cadeias de assentos dispostos ordenadamente. Nada anormal, não há uma bíblia, pasta ou harpa sequer.  Procuro em todos. Nada.
O púlpito. As cadeiras acolchoadas e ornamentadas dos obreiros fazem me rir de forma imbecil. O contraste entre elas e os bancos contempla a hierarquia do corpo da igreja.
Corpo…muitas das vezes cargos e funções dentro da igreja parecem voltar a um contexto corporativista. “O corpo de Cristo é a igreja”. Não seria uma tentativa de justificar posições de poder e atitudes nocivas entre pessoas de cargos diferentes?
O que os motiva a olhar toda a nave com desdém arrogante, quando em verdade, muitos deles são pedaços de merda. Grande parte deles me enojam, tantos casos revoltantes…e hilários.
Escândalos de congregações protestantes são divertidíssimos. Em risos internos volto a investigar. Novamente não tenho êxito. Entretanto, no altar…há uma folha sobre ele.
É uma partitura, sem título nem nome do compositor. Duas claves, piano ou coro. Está em 4/4, em cada compasso há um acorde formado por semibreves com fermatas. Noto uma peculiaridade, a estrutura desses acordes resulta em tríades diminutas.
Imediatamente gargalho, uma piada uma composição assim estar aqui. Tríades diminutas são conhecidas por serem proibidas na música sacra, relacionam-nas com ocultismo e bruxaria, são acordes ditos por “menor do menor”, sufocantes e macabros, assim como os trítonos, passam uma ideia de tensão e falta de resolução.  Eu, porém, vejo beleza em sua sonoridade.
Apesar de engraçado, por que um “hino” que usa uma progressão tão “simples” estaria dentro da igreja? Eu faço empenho em guardar, aliás isso nem me incomoda à vista do que já passei aqui.
Dobrando a folha e organizando-a dentro de minha pasta, ando de volta à nave. É bom que eu descanse nos bancos, meu cérebro parece pulsar por inteiro, machuca.
Sentando-me, suspiro profundamente. Memórias recentes lembram-me do medo e causam-me azia.
Em tentativa de me entreter, pego as minhas partituras do coral, as quais trazem me alegria reconfortante. Folheá-las e solfejar baixinho suas doces melodias me retoma um vigor. Um sorriso floreia minha face e brevemente repouso num sonho, como lúcido.
Levanto o olhar, uma tela de projeção na parede sobre o altar. Comum aos templos, projetam vídeos e avisos. Isso realmente estava aí? Minha preocupação imediata em investigar me fez ignorá-lo, capaz.
Torno os olhos as páginas, mas assusto-me com uma luz, uma imagem preta paira sobre o telão.
Volto a atenção e um vídeo se inicia, a qualidade é ruim, os quadros travam e a câmera é nebulosa, além de amarelada.
Brados estrugem no áudio, indecifráveis a primeiro momento, então, claros gritos de glória e aleluia.
A foto se faz mais clara…
Pastor Geazi?

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⏰ Última atualização: Jun 18, 2023 ⏰

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