Cachorro-frio

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Mello estava sonhando, sonhando que seu pesadelo não passava de uma piada. Mas seu sono foi interrompido pelas gotas de água que batiam em seu focinho. Sozinho, no escuro, e agora molhado. A realidade é dura, Mello.

Desejou estar sonhando novamente, mas ele não tinha tempo pra pensar, precisava agir. Sem rumo, foi trotando procurar um abrigo. Estava com frio e com fome, pela primeira vez ele sentia essas sensações. Ele sentiu raiva.

Após alguns minutos, chegou a cidade, era próxima do lago. Viu uma luz, e não pensou duas vezes, correu em sua direção. Um ponto de ônibus. "Um excelente abrigo" pensou ele. Chegou acanhado e com o rabo entre as pernas. Sentiu-se julgado, todos os olhares estavam apontados para Mello.

Sua barriga sambava. Seu focinho detectou um cheiro, cheiro de BARRIGA CHEIA. Sentiu-se como que puxado pelo aroma, e logo estava de frente pra o carrinho de cachorro-quente. Começou a babar, e a fazer som de choro. A velha, dona do carrinho, fez uma careta pra Mello. Mas o pobre cachorro sem entender nada, apenas virou sua cabeça em sentido anti-horário.

-Xô! Vira-lata, xô! Disse a velha ranzinza. O cachorro apenas a encarava, babando.

-Se eu te der de comer, eu fico sem comer!

Mello parecia uma estátua, com os olhos cravados na comida. Sua distração foi o suficiente para não perceber o banho de água que foi em sua direção. A velha jogou água no pequeno andarilho. Embora, tirando o susto, o que era um pouco de água pra quem estava ensopado?

No susto, Mello saiu correndo. Os humanos são duros, Mello. De volta a estaca zero, sua fome vinha aumentando gradativamente. O som dos carros era assustador. "Quanto barulho," ele pensou. O coitado era tão lerdo, que quase foi atropelado por uma bicicleta. Pobre cão!

Saiu se socando pelos becos e ruas, mas nada de comida. Sentiu-se triste, queria acreditar que tudo era apenas um sonho, ou melhor, um pesadelo. O sono chegou tão rápido quanto a fome, decidiu cochilar, talvez conseguisse enganar a barriga. Já tinha andando muito, então se jogou em uma pilha de papelão que viu mais a frente.

-Mas que diabos é isso?! Um grito saiu do monte de papelão.

Mello logo ficou de prontidão, em uma posição ofensiva e começou a rosnar.

-Poxa, seu pulguento, quer me matar do coração? Um homem com uma barba laranja disse, encarando o cão. -Calma, não precisa disso, é só deitar. Sem furduncio!

A figura alaranjada se deitou novamente e parecia ignorar o cachorro. Mello ficou desconfiado, ainda estava assustado com a hostilidade do mundo real. Mas o sono falou mais alto, se deitou e capotou de vez.

Sol no rosto, é hora de acordar.

Cinzas ao RelentoOnde histórias criam vida. Descubra agora