Prólogo

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Era uma noite soturna, uma chuva melancólica caía sobre as estradas de barro, que se desmanchavam em grandes poças de lama, tornando–se um perigo para qualquer ser desassombrado que tivesse a audácia de avançar por ali. E eram justamente três jovens desajuizados que teriam decidido viajar naquela noite. Apenas uma fonte de luz brilhava naquele mar de escuridão, guiando o caminho das três figuras: um cavaleiro trajado em uma armadura de couro e duas pessoas em longos mantos.

Na frente, um homem carregava um lampião na mão esquerda e uma espada na direita, a fraca chama lutava contra a noite, queimando a escuridão e iluminando languidamente o caminho. Seguido por ele, os dois indivíduos, um deles era alto e magricelo, de postura perfeita e sempre olhando à sua frente, carregando um cajado na mão direita e abraçando um grimório com a mão esquerda. O outro era muito menor quando comparado aos outros dois, era o único que carregava grupos de mochilas em suas costas, muitas até mesmo maiores que seu pequeno corpo.

Nenhuma das três figuras ousava soltar uma palavra, sabiam que seria uma resistência inútil tentar escutar as vozes uns dos outros quando eram abafados pelos sons daquela chuva depressiva. Algumas vezes, o primeiro trocava olhares com o resto apenas para garantir a saúde de todos, nunca iam além dessas curtas trocas de olhares, mas era a camaradagem que em viagens como essa transformava as estradas mais obscuras e frias em memórias aquecidas.

Nenhuma memória aquecida, entretanto, conseguia os proteger das dificuldades de uma noite como aquelas. Lutar contra o lamaçal enegrecido não era um trabalho para qualquer um e alguns do grupo apresentavam mais dificuldade que outros — precisavam parar logo ou talvez as estradas lhes tomassem o que havia sobrado dos dias de viagem.

Foi quando o primeiro da fileira apontou, com a mão que brandia a espada.

Um cafofo os esperava num canto da estrada, uma cabana alta mas compacta, feita de madeira negra e de janelas escuras; nada do interior podia ser visto do lado de fora, mas toda a estrutura brilhava aos olhos dos viajantes cansados.

Os passos aceleraram, a cautela se perdeu numa curta corrida para a frente da cabana, onde uma pequena área permitia que se protegessem da chuva. O menor entre eles se aproximou para abrir a porta, mas foi impedido antes que pudesse alcançar a maçaneta.

— Não sabemos quem mora aqui. — A figura com o cajado proferiu etodos ficaram quietos. Uma voz feminina e serena, bem jovem. — Não deveríamos bater na porta antes?

Fizeram um gesto de quem não podia ouvir nada do que havia sido dito. O que carregava a espada tentou dar um passo à frente, mas a figura alta não quis deixar que nenhum dos outros dois tivessem passagem.

— Vocês têm certeza? — Tentou novamente. Dessa vez foi escutada. — E se for a casa de alguma pessoa?!

— Você que' bate' na po'rota?! — Gritou o menor,a voz como a de uma menina ainda criança e de sotaque muito carregado.

— Se tivermos sorte, ninguém atende. — Brincou o portador do lampião, mas ninguém escutou sua voz.

— Eles não vão nos escutar. — Gritou a alta, os olhares alternando entre os companheiros de viagem e a porta.

O homem do grupo resmungou alguma coisa e se aproximou da porta. Dessa vez a alta não entrou em seu caminho. Aproximou–se para bater na porta, mas bastou chegar perto que o vento a abriu.

— Viu! Até o vento quer que entremos! — O jovem abriu a porta, revelando um cômodo escuro e úmido com cheiro forte e nauseante de mofo empesteando todos os lados, odor que se contrastava com o perfume de lama molhada do lado de fora. — Não tem com o que se preocupar, Margô.

Aéden: A Fúria da DríadeOnde histórias criam vida. Descubra agora