Festa estranha

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- Nossa. - Solto, ao descer do carro.

Fotografar festa é sempre interessante. Mas, festa de gente que tem dinheiro é, no mínimo, conteúdo para estudo de caso. Observo a decoração exagerada e de incrível bom gosto. Tenho que confessar, parece cenário de um filme de romance. Os convidados igualmente exagerados e, alguns com não tanto gosto assim. As senhoras com seus cabelos montados, bolsas penduradas, peitos estufados, narizes em pé. Típico. Mal olham para os lados. Não agradecem as bebidas servidas. Apenas interagem e sorriem para elas mesmas. Seguro a vontade de virar os olhos e volto a me concentrar na decoração, já estudando os lugares mais iluminados. O jardim da casa é enorme. Começo a me entusiasmar.

Não estava nos meus planos sair para trabalhar esse fim de semana, mas o convite surgiu na quinta-feira à noite e eu não pude recusá-lo. Primeiro porque é trabalho, afinal. Segundo porque o pagamento era totalmente irrecusável. E morar sozinha, vivendo da fotografia não é a coisa mais fácil do mundo. Com as fotos de hoje, eu poderei me concentrar melhor na exposição que tenho para fazer no próximo mês, sem peso na consciência e sem medo de perder o apartamento. Então, preciso dar o meu melhor. Mesmo que isso signifique aguentar um dia inteiro cercada de gente que só enxergue o próprio umbigo.

- Valentina. - Sou tirada dos meus pensamentos e me viro para a mulher de vestido verde, belíssima. - Eu sou Sônia, a anfitriã.

- Claro!! - Sorrio, estendendo a mão. - Muito prazer. Está tudo muito bonito. - Digo, sem mentir. Ela sorri de volta, assentindo. - Parabéns. Pela festa e pelo casamento.

- Obrigada, querida. - Aperta suavemente meu braço. - Bem, fique à vontade. Sei que combinamos de tirarmos logo as fotos em família, mas minhas filhas ainda não chegaram, então... - Suspira. - Se quiser começar pela decoração.

- É o normal. - Tento tranquilizá-la. - Quando estiverem prontos, podem me avisar. Enquanto isso, eu me divirto por aqui. - Levanto a câmera. Ela me olha desconfiada. - Digo, eu vou tirando algumas fotos espontâneas e tudo mais. - Limpo a garganta.

- Certo. - Volta a sorrir, mas olhando para os lados. - Fique a vontade. - Repete.

Eu abro a boca para responder, mas ela sai em direção a um grupo de convidados recém chegados. Vejo um homem de terno se aproximar também, abraçando-a pela cintura, cumprimentando a todos. Esse deve ser o marido. Bodas de esmeralda. Não é muito comum em meu currículo. Arrisco dizer que é a primeira que eu fotografo. Eu já fotografei muita boda de ouro e até de prata, mas de esmeralda, nunca tinha presenciado. Começo a tirar meu equipamento da mochila, me apressando para fotografar as mesas, antes que elas sejam todas ocupadas. Hora da magia começar. E a festa começa junto. É como entrar em uma bolha. Meus amigos costumam dizer que eu entro em transe quando estou trabalhando.

É quase isso. Eu preciso sentir tudo. Preciso sentir a festa, o clima, a música. Preciso saber quais os sentimentos. Eu falo para eles que, eu me defino melhor como uma grande fofoqueira. Porque eu fico atenta a tudo. A conversa tensa dos homens barbudos ao lado da mesa de drinks. As mulheres sorridentes perto da mesa do bolo. A do sorriso falso, a do sorriso leve, a que não sorri, a que está com cara de tédio, a que está de olho em um dos homens barbudos da mesa de drinks, a que está preocupada com uma das crianças rodopiando perigosamente perto da enorme piscina. Eu escuto algumas coisas. O problema de festa de rico, é que os assuntos são chatos. Vou clicando tudo que posso, tudo que sinto que devo.

Faço várias fotos do casal. Sozinhos, com os convidados. Já tenho um bom arcervo. Mas, não para de chegar gente. Eu tomo um copo d'água, observando as crianças. Sorrio, fotografando a brincadeira deles. Um menino loiro olha diretamente para câmera e eu afasto-a do rosto, encarando-o. Fui pega no flagra. Faço um sinal de positivo para ele, quase que pedindo sua permissão, mas ele apenas dá os ombros. Não sei se isso é bom ou ruim. Talvez tenha sido um "tanto faz". Antes que eu aproxime a câmera novamente, o barulho de um freio alto chama atenção.

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